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Autor iraniano exilado cria ‘novela’ em quadrinhos na web inspirado em blogs

Fonte: BBC e Estadão

Em entrevista à BBC, o escritor Amir e o editor Marc Siegel explicaram como a versão original online foi capaz de driblar a censura e atingir uma audiência maior.
Os Fatos em Tempo Real
"Eles vieram para mim com essa história que tinha de estar no mundo rapidamente, agora", disse Siegel.
"Então decidimos serializar a história na internet, usando apenas os primeiros nomes dos autores, para protegê-los"
"Publicávamos capítulos toda segunda, quarta e sexta".
'Jornalismo coletivo'
O iraniano Amir deixou seu país de origem aos 12 anos, logo após a Revolução Islâmica de 1979. Ele viveu por alguns anos na Grã-Bretanha e hoje mora nos Estados Unidos.
"O Paraíso de Zahra conta a história de uma mãe que descobre que seu filho desapareceu durante os protestos de 2009 no Irã", explicou Amir.
Uma história em quadrinhos serializada na internet que conta eventos reais ocorridos no Irã após os protestos de 2009 no país, acaba de ser lançada em versão impressa em português.
O livro é resultado de uma colaboração entre um autor iraniano, um artista gráfico árabe e um editor judeu. Para sua proteção, os autores, Amir e Khalil, usam nomes fictícios.
Intitulado O Paraíso de Zahra - nome também de um cemitério em Teerã - o livro conta a história de uma mãe (Zahra) à procura do filho desaparecido (Medhi, de 19 anos). 
"Então, ela tem de descobrir onde o filho está. Mas como você encontra um filho desaparecido em um país como o Irã?"
"Esse é o irmão", disse Amir, apontando para uma imagem. "O irmão é um blogueiro, e são os blogueiros que estão não apenas desafiando a república islâmica, mas também contando as histórias do Irã".
O irmão de Medhi procurou por ele em hospitais, prisões e tribunais.
Suas experiências, assim como a de outros iranianos, relatadas em blogs e em vídeos publicados no YouTube, foram sendo alinhavadas na trama, incorporadas a cada novo capítulo.
"Nós pegamos imagens e histórias que os próprios iranianos estavam publicando e colocamos tudo junto em uma história maior".
Censura
Amir aponta para outra imagem: "Esse é um líder estudantil. Eles o forçaram a se vestir de mulher".
"Ele ainda está na prisão de Evin e uma das razões pelas quais estamos fazendo (os quadrinhos) é justamente para que ele saia da prisão".
"(A serialização da história na internet) foi um ato de jornalismo coletivo", disse Amir. "E éramos um editor judeu, um artista árabe e um autor iraniano!"
"Se você é um jornalista no Irã, há grandes chances de que sua câmera seja confiscada. Mas tudo o que você precisa é de uma caneta e a sua imaginação".
"Quando você combina a imagem e a internet, todas as barreiras de espaço, tempo e linguagem que te impedem de dar seu recado com rapidez desaparecem".
"A ideia de que o regime silenciou as pessoas no Irã é totalmente errada", acrescentou Amir.
Público Silencioso
O editor Siegel conta que à medida que os capítulos iam sendo colocados na internet, a equipe recebia informações sobre quem estava lendo as histórias e onde.
"Conferíamos os números no (site de buscas) Google e víamos que as pessoas estavam lendo as histórias em Teerã e em 40 outras cidades".
O Paraíso de Zahra está disponível no Brasil, publicado pela editora Leya Brasil. 

Segue a matéria publicada no Estado de São Paulo:

GUILHERME RUSSO – O Estado de S.Paulo
Amordaçados por um regime que impõe prisão, tortura e morte a quem divulga fatos ou expressa opiniões em desacordo com a determinação oficial, iranianos dissidentes buscam meios de denunciar abusos em nome do Estado desde que a Revolução Islâmica outorgou aos aiatolás o comando de seu país, em 1979. De maneira ousada e criativa, “Amir” e “Khalil” – quadrinistas de origem iraniana que não se identificam para evitar represálias – contaram sua história sobre os últimos protestos contra o governo de Teerã, ocorridos em 2009, na graphic novel O Paraíso de Zahra, lançada em versão impressa recentemente em português.
Os autores consideram sua obra uma “continuação” da HQ Persépolis, publicada em 2000 pela iraniana Marjane Satrapi e transformada em animação sete anos depois. “Nós documentamos o cotidiano e o sofrimento do povo persa e também seu amor, bom humor e genialidade. Somos riachos que fluem da mesma fonte”, disse ao Estado Khalil, que ilustrou a obra já traduzida a 12 idiomas desde sua publicação em formato digital, em fevereiro de 2010.
O trio iraniano segue uma linguagem inaugurada por Will Eisner em 1978 com Um Contrato com Deus, obra em que, com base em experiências pessoais, o autor interpreta seu judaísmo e a religiosidade de seu entorno, no primeiro livro definido como uma graphic novel na história dos quadrinhos.
Além do papel fundador no gênero, a realidade ainda permeia – como inspiração e enredo – muitas das mais importantes dessas longas e elaboradas HQs. Art Spiegelman, em Maus, foi coroado com um Pulitzer ao contar como seu pai sobreviveu ao Holocausto. E Joe Sacco, ao registrar suas voltas e conversas nos territórios ocupados por Israel e nos Bálcãs em desenhos e palavras, incorporou o jornalismo engajado ao universo dos quadrinhos.
“Esses importantes autores criaram um novo gênero, do qual O Paraíso de Zahra definitivamente faz parte. Todos nós estamos documentando a História em um meio que anteriormente era mais orientado ao entretenimento. Mas é importante nunca perder a habilidade de entreter enquanto narramos, pois, se isso ocorre, as HQs perdem sua magia”, explicou Khalil.
O Paraíso de Zahra conta a história de uma mãe em busca do filho desaparecido durante os protestos de junho de 2009, contra a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad.
Sua procura transita por vários setores sociais do Irã: do necrotério ao presídio, passando pela influência da alta sociedade e a vida íntima de um agente “revolucionário” e sua segunda mulher – no Irã, “casamentos temporários” entre um homem, comprometido ou não, e uma mulher solteira são legais segundo a determinação do “contrato”. Dessa relação peculiar à visão ocidental do amor, vem a solução do desaparecimento de Mehdi, o filho de Zahra. Apenas com o auxílio de hackers e suas novas tecnologias o mistério acaba resolvido.
A obra de Amir e Khalil, porém, não trata apenas de passar uma mensagem. Uma das táticas dos autores é despertar a curiosidade do leitor sobre o cotidiano do país. “Nosso objetivo foi criar um espelho que pudesse celebrar a dignidade e a humanidade do povo iraniano.”
Os autores acreditam que o junho de 2009 iraniano mostrou o caminho à Primavera Árabe, que por sua vez deverá inspirar uma “Renascença Persa”. Mas como seria possível mudar a realidade iraniana? “Com amor, alegria, unidade, riso, bondade, claridade e coragem”, responderam Amir e Khalil


Comentários

  1. Cheguei a ver o filme de "Persepolis", mas ainda não tive a oportunidade de ler a HQ. A história é belíssima.

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  2. Honestamente, apesar do tom crítico e dos protestos e denúncias existentes na HQ, esperei bem mais de Persépolis. É uma história corajosa, admito, porém focou demasiadamente na vida pessoal da Satrapi - principalmente nas doideiras dela - desviando a atenção da parte principal que era a crise política e social no Irã. Mas o mérito não deixa de existir por causa de um detalhe tão pequeno.

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