Por: Cauê Muraro
Passado no futuro, 'novo Harry Potter' mistura mitologia e reality show.
Adaptação do livro infanto-juvenil de Suzanne Collins estreia no dia 23.
O divórcio entre o filme “Jogos vorazes” e o best-seller
homônimo que lhe serve de inspiração acontece logo na cena inicial do
primeiro. Num estúdio de tevê futurista, avistamos dois homens, de traje
e aparência extravagantes, conversando sobre a competição que virá. O
que acompanhamos na tela, assim, se passa distante dos olhos da
protagonista, e este é um dado fundamental: a versão literária era
narrada todo o tempo pela personagem central, e ao leitor só era dado
ver aquilo que ela enxergava e contava.
Mas isso não significa que a tônica desta adaptação cinematográfica será
a do atrevimento. As ousadias serão raras ao longo da projeção, e a
reconciliação entre uma obra e outra não tarda, a ponto de a
“fidelidade” do longa ao material de origem ser talvez seu traço mais
marcante. Com estreia agendada para o dia 23, o filme conforta-se em
ilustrar com imagens em movimento o conteúdo das páginas, com direito a
liberdades escassas. A opção, por si só, não implica um equívoco. Mas
ilustrar difere de simplificar. A literatura de Suzanne Collins é
trivial – ainda que seja atraente e tenha estofo –, só que resulta mais
contundente que as sequências oferecidas pelo diretor Gary Ross.
Foi no final de 2008 que Suzanne Collins lançou seu “Jogos vorazes”,
episódio inaugural de uma trilogia de inegável apelo, sobretudo entre o
público infanto-juvenil. O que se propõe é um enredo que agrega
mitologia, reality show, guerras, história e comentário
político (regimes totalitários, em suma). A ação tem lugar numa América
do Norte de um futuro pós-apocalíptico. Nessa nação, batizada Panem,
acontece um torneio anual de que participam 24 adolescentes, com idade
entre 12 e 18 anos – ganha quem restar vivo, e tudo é transmitido pela
tevê. A seleção dos gladiadores se dá por sorteio, e a absoluta maioria
dos elegíveis, por razões óbvias, vê com temor a ideia da convocação.
Por vias tortas, Katniss Everdeen (no filme, vivida por Jennifer Lawrence),
a protagonista, acaba sendo chamada à 74ª edição dos Jogos Vorazes. É
esta a narradora: uma menina pobre de 16 anos que, uma vez órfã de pai,
assume o papel de arrimo da família. Ela se garante graças às
habilidades com o arco e flecha.
A narrativa de Suzanne Collins poderia ser descrita como direta,
franca. Ou carente de recursos. Fato é que ela usa a seu favor a
ausência de artifícios. Para garantir o interesse e a atenção,
privilegia o conteúdo oferecido, em vez da forma. O tempo verbal é o
presente, praticamente sem recuos ao passado nem subtramas, e o objetivo
é provocar suspense e fazer o leitor partilhar dos dramas que Katniss
vai conhecendo. Há a desconfiança com relação aos companheiros de
batalha, a necessidade involuntária de exterminá-los, as questões
amorosas. E a probabilidade de encontrar a morte, ocorrência frequente
na história.
Como também é no filme, e o potencial de repulsa agora é, em teoria,
maior: existe um risco mínimo na proposta de mostrar adolescentes
assassinando uns aos outros, seja por falta de opção ou por crueldade.
Gary Ross, o diretor, acerta ao não tornar o sangue um fetiche. Ou ao
menos não apela, na medida em que os embates, embora violentos, não se
apresentam em detalhes escatológicos. Na arena, morre-se, e morre-se com
brutalidade. Nada de levar plateia às náuseas, entretanto: o alvo é o
sentimento de quem assiste, e não propriamente o estômago.
Mas Ross acerta mais – e aparentemente com aval de Suzanne Collins,
coautora do roteiro – quando atribui novidades à obra. Quando insere na
trama elementos que não estavam no livro, o que acontece não mais que
meia dúzia de vezes. O desfecho do controlador da competição, papel de
Wes Bentley, é um exemplo. O furor despertado pela morte de uma das
pessoas mais próximas a Katniss, outro. Nenhum dos dois supera, porém, o
discurso final do mais perigoso dos jovens gladiadores. Aquilo talvez
faça o filme gerar uma comoção da qual o livro apenas chega perto.
O “Jogos vorazes” do cinema não é desprovido de valores básicos de produção. Ross não filma com descuido, sua câmera trepidante é, ou parece ser, proposital. Os efeitos visuais funcionam, na maioria das vezes. O elenco secundário é digno de nota, com nomes como Donald Sutherland (o tirano da república), Stanley Tucci (o apresentador do programa), Woody Harrelson (o tutor de Katniss e de Peeta, parceiro dela) e Elizabeth Banks(mestre de cerimônia do sorteio). E os novatos, a começar por Jennifer Lawrence (indicada ao Oscar em 2011, por “Inverno da alma”), cumprem com o dever – Peeta foi entregue ao ator Josh Hutcherson, e a outra ponta do triângulo fica com Liam Hemsworth. Mas o uso que se faz desses elementos desemboca num produto aquém da possibilidade aparente.
O “Jogos vorazes” do cinema não é desprovido de valores básicos de produção. Ross não filma com descuido, sua câmera trepidante é, ou parece ser, proposital. Os efeitos visuais funcionam, na maioria das vezes. O elenco secundário é digno de nota, com nomes como Donald Sutherland (o tirano da república), Stanley Tucci (o apresentador do programa), Woody Harrelson (o tutor de Katniss e de Peeta, parceiro dela) e Elizabeth Banks(mestre de cerimônia do sorteio). E os novatos, a começar por Jennifer Lawrence (indicada ao Oscar em 2011, por “Inverno da alma”), cumprem com o dever – Peeta foi entregue ao ator Josh Hutcherson, e a outra ponta do triângulo fica com Liam Hemsworth. Mas o uso que se faz desses elementos desemboca num produto aquém da possibilidade aparente.
Os afetados cenários futuristas da capital de Panem são clichês. E os
coadjuvantes citados, com exceção de Sutherland, cedem à facilidade de
compor nada além de caricaturas, que servem mais à diversão própria e
rasa do que aos respiros de humor. Salva-se, inesperadamente, a
discrição de Lenny Kravitz (o estilista de Katniss), de quem pouco se poderia cobrar.
A determinação de “Jogos vorazes”, tudo indica, era respeitar sua
fonte, e não se pode culpar o filme por ele não ser o que sequer
pretendeu ser. Mas, no cômputo final, restarão poucas sequências na
memória do espectador – neste particular, o livro é mais bem-sucedido. O
detalhe essencial é que o cinema depende fundamentalmente de imagens, e
não de diálogos comoventes reproduzidos com fidelidade e empenho.
Fonte: G1
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirNa maioria das vezes, sem dúvida, prefiro os livros aos filmes. Porém, nesse caso em especial, o filme Jogos Vorazes conquistou minha preferência. Achei que muitas coisas foram melhoradas. Permaneceu fiel a história, descartando detalhes irrelevantes e acrescentando características mais interessantes, mas nunca perdendo o foco. Adorei. Simplesmente Fantástico.
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