Pular para o conteúdo principal

ONG italiana condena a "Divina Comédia" por ser discriminatória e ofensiva

Fonte: Folha de SP

Abandonem toda esperança, vós que aqui entrais: o clássico medieval "A Divina Comédia", de Dante Alighieri, foi condenado como sendo racista, antissemita e islamofóbico por um grupo que pede sua retirada dos currículos escolares.
Escrito no século 14, o poema épico é dividido em três partes e relata a jornada do poeta pelo inferno, purgatório e paraíso. O texto é visto como uma das obras fundamentais da literatura mundial.
Mas a organização italiana de defesa dos direitos humanos Gherush92, que presta assessoria a organismos da ONU em questões de direitos humanos, quer que ele seja retirado dos currículos escolares ou, pelo menos, usado com mais cautela, porque é "ofensivo e discriminatório" e porque os jovens não disporiam dos "filtros" necessários para compreendê-lo em seu contexto. 
A Gherush92 apontou alguns cantos particulares da obra-prima de Dante como sendo merecedores de críticas: o 34º canto do "Inferno", que fala de Judas sendo mastigado incessantemente pelos dentes de Lúcifer, e o 28º, em que Maomé é descrito sendo rasgado "do queixo para baixo, até a parte que emite o som mais vil", além do canto 26 do "Purgatório", que mostra homossexuais sob uma chuva de fogo. A obra, diz a entidade, difama o povo judeu, retrata o islã como heresia e é homofóbica.
"Não propomos a censura ou a queima do texto, mas gostaríamos que a presença de conteúdos racistas, islamofóbicos e antissemitas na 'Divina Comédia' fosse reconhecida de modo claro e inequívoco", disse Valentina Sereni, presidente da Gherush92, à agência de notícias Adnkronos. "A arte não pode estar acima das críticas."
O mundo cultural da Itália, no entanto, reagiu rapidamente em defesa de uma das obras mais famosas do país. "Os benefícios a serem ganhos com a leitura e o estudo da 'Divina Comédia' são tantos que declarações deste tipo são simplesmente absurdas", declarou à agência de notícias o poeta e crítico literário Maurizio Cucchi.
O historiador literário, crítico e autor Giulio Ferroni descreveu as declarações como "mais um frenesi de correção política somado a uma falta absoluta de senso histórico" e disse que "A Divina Comédia" precisa ser lida em seu contexto histórico. "Poderiam ser incluídas mais algumas notas, mas seria uma insensatez abandonar o estudo de uma obra-prima que ajudou a construir a imagem da humanidade."

Tradução de CLARA ALLAIN.

Franz Lima says: "O contexto histórico da época em que o livro foi escrito é infinitamente diferente do que temos hoje. Mulheres eram tratadas com escárnio e ainda eram vistas como fonte de prazer, mães e trabalhadoras domésticas. Os mais ricos tinham  privilégios "comprados" por suas fortunas; a igreja  estava ainda com muita força política e, assim, o que ela determinava como sacrílega, certamente o seria. Comportamentos incondizentes com o período eram abertamente discriminados e perseguidos (fato que até pouco tempo ocorreu em muitos países, inclusive no dito mais democrático dos países - os EUA). Enfim, não há como julgar um livro, até hoje referência da literatura mundial, por exemplificar e usar costumes da época em que foi escrito. A sociedade era cristã, homofóbica, discriminadora em relação à mulher, escravagista em alguns países e com uma grande maioria de analfabetos. Eram tempos difícieis e diferentes que influenciaram o autor e sua obra, mas que nem por isso desmerecem os valores histórico e literário da Divina Comédia. O livro precisa ser lido com a mente consciente de que tudo era diferente da atual realidade, principalmente os valores morais e religiosos, porém nada que desmereça esta obra-prima da literatura.


Comentários

  1. Quando a gente pensa que já viu o nível máximo do quão retardadas podem ser as pessoas... pqp, esse livro é uma obra-prima, um retrato do pensamento de séculos atrás. Temos apenas que saboreá-lo por sua riqueza e beleza, sem procurar utilizá-lo com guia moral - e isso vale para todos os livros. TODOS. Até AQUELE livro...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Aquele livro - A Bíblia - também tem referências sinistras, dogmas que assustariam até o mais sanguinário dos Serial Killers e ainda assim traz, na essência, uma ótima lição. Aos desocupados que "crucificaram" a Divina Comédia, parabéns por nada. Creio que imaginaram que essas palavras seriam lançadas, o livro queimado e todos ficariam em silêncio: ENGANARAM-SE. Qualquer amante da literatura e, principalmente, da obra de Dante, jamais irá aceitar pacificamente um absurdo como esse.

      Excluir
  2. Se é proibido proibir, como fica agora o meu desejo de proibir na face da Terra a existência de ONGs que se ocupam em gastar tempo com esse tipo de pensamento? Quisera mandá-los para o quinto circulo do inferno...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Homi, esse tipo de gente não tem muito o que fazer e, para variar, tem que justificar sua existência desviando a atenção para outra coisa qualquer, preferencialmente polêmica.

      Excluir
  3. Esse livro apenas mostra a realidade que a Igreja Católica do Século 14 passava, a humanidade tinha esses pensamentos, então por que apagá-los? Idiotísse a ideia dessa ONG

    ResponderExcluir
  4. Esse livro é fenomenal! Dante consegue expor nele a miserabilidade humana como nenhum outro jamais conseguiu depois dele.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Bethany Townsend, ex-modelo, expõe bolsa de colostomia de forma corajosa.

Bethany Townsend é uma ex-modelo inglesa que deseja, através de sua atitude, incentivar outras pessoas que sofrem do mesmo problema a não ter receio de se expor. Portadora de um problema que a atinge desde os três anos, Bethany faz uso das bolsas de colostomia  que são uma espécie de receptáculo externo conectado ao aparelho digestivo para recolher os dejetos corporais, e desejou mostrar publicamente sua condição.  Quero que outras pessoas não tenham vergonha de sua condição e é para isso que me expus , afirmou a ex-modelo. Bethany usa as bolsas desde 2010 e não há previsão para a remoção das mesmas.  Eu, pessoalmente, concordo com a atitude e respeito-a pela coragem e o exemplo que está dando. Não há outra opção para ela e isso irá forçá-la a viver escondida? Jamais... Veja o vídeo com o depoimento dela. Via BBC

Suzane Richthofen e a justiça cega

Por: Franz Lima .  Suzane von Richthofen é uma bactéria resistente e fatal. Suas ações foram assunto por meses, geraram documentários e programas de TV. A bela face mostrou ao mundo que o mal tem disfarces capazes de enganar e seduzir. Aos que possuem memória curta, basta dizer que ela arquitetou a morte dos pais, simulou pesar no velório, sempre com a intenção de herdar a fortuna dos pais, vítimas mortas durante o sono. Mas investigações provaram que ela, o namorado e o irmão deste foram os executores do casal indefeso. Condenados, eles foram postos na prisão. Fim? Não. No Brasil, não. Suzane recebeu a pena de reclusão em regime fechado. Mas, invariavelmente, a justiça tende a beneficiar o "bom comportamento" e outros itens atenuantes, levando a ré ao "merecido" regime semi-aberto. A verdade é que ela ficaria solta, livre para agir e viver. Uma pessoa que privou os próprios pais do direito à vida, uma assassina fria e cruel, estará convivendo conosco, c

Pioneiros e heróis do espaço: mortos em um balão

* Há exatamente 100 anos subir 7400 metros, num balão, era um feito memorável. Consagrados por isto, três franceses - Sivel, Crocé-Spinelli e Tassandier - resolveram tentar uma aventura ainda mais perigosa: ultrapassar os 8 mil metros de altitude. Uma temeridade, numa época em que não existiam os balões ou as máscaras de oxigênio e este elemento precioso era levado para o alto em bexigas de boi com bicos improvisados. Uma temeridade tão grande que dois dos pioneiros morreram. Com eles, desapareceu boa parte das técnicas de ascensão da época que só os dois conheciam. Texto de Jean Dalba Sivel No dia 20 de abril de 1875, mais ou menos 20 mil pessoas acompanhavam à sua última morada, no cemitério de Père-Lachaise, os despojos de Teodoro Sivel e de Eustáquio Crocé-Spinelli - os nomes, na época da produção do artigo, eram escritos em português para facilitar a leitura e "valorizar" nossa própria cultura. A grafia correta dos nomes é Théodore Sivel e Joseph Eustache Cr