Por: Franz Lima. Curta nossa fanpage: Apogeu do Abismo.
Suaves mãos tocam minha face. Meus olhos estão pesados e abro-os com esforço, tão pesadas estão minhas pálpebras.
A visão está enevoada e
demoro a focar quem está à minha frente. A surpresa é grande.
- Ana? – digo, sem
acreditar. – O que é isso? Um sonho?
Ela nada diz. Calmamente, seus dedos roçam os lábios dele, provocando um leve torpor. Ela, então, diz:
Ela nada diz. Calmamente, seus dedos roçam os lábios dele, provocando um leve torpor. Ela, então, diz:
- Olá, amor. – e sorri. –
Estava com saudades. Parece que estamos afastados há anos, não é?
- Bom... achei que você
estivesse morta. Foi um pesadelo, não? Ou estou ainda sonhando? Estou confuso
com isso tudo.
Ela olha para ele com pena.
Há pesar em seus olhos. Há amor em seus olhos. Sobretudo, há verdade neles.
- A confusão irá passar em breve. Não tenho
permissão para lhe dizer o que ocorrerá, porém tenho permissão para lhe dizer o
que sinto. E, mais do que nunca, o que sinto é paixão por você, amor por tudo
que representa... por tudo que vivemos. Não deixe que o tempo apague isso, por
favor.
Os olhares se encontram mais
uma vez. Desta vez, contudo, eles sabem o quanto este contato é importante.
- O tempo não tem forças
suficientes para me fazer esquecê-la. Eu prometo.
- Bom. Agora – ela seca suas
lágrimas com as mãos – volte a deitar e não se preocupe comigo. Eu sempre
estarei bem enquanto você estiver feliz. Deite e durma...
E o peso do sono o abraça mais uma vez. Contudo, este foi o mais reconfortante sono de sua vida. Não havia cansaço. Havia paz.
E o peso do sono o abraça mais uma vez. Contudo, este foi o mais reconfortante sono de sua vida. Não havia cansaço. Havia paz.
Chego até meu pai enquanto
ele dorme. Há uma calma tão boa em seu semblante. Uma calma tão ampla e
contagiosa. Apesar de seus problemas, ele sempre teve a face de um homem tão
calmo. Eu, quando pequena, achava que ele era incapaz de sentir raiva, tamanho
seu controle diante das adversidades. Penso ter herdado isso dele.
Sua respiração está suave.
Sinto uma pontada de angústia ao ver a posição em que dorme. Seu pescoço deve
estar doendo, de tão torto que está.
Ainda não me acostumei com
minha condição. Chego até ele com uma velocidade inacreditável. É como se
flutuasse em partículas.
E estas mesmas partículas fossem impulsionadas por uma
explosão de supernova. Não há como descrever com exatidão meu estado.
Atravesso suas pálpebras e
avanço por seus olhos. Os olhos sempre serão a janela da alma, sempre. Há
trevas e medo. Há dúvidas e certezas. Há uma infinidade de sentimentos e
anseios, todos conspirando em sua alma. Espero ter forças para dirimir um pouco
deste conflito.
Conversamos por horas
intermináveis. Pelo menos, esta é a sensação que ele terá ao despertar.
Conversamos e, juntos, chegamos
ao melhor resultado que um diálogo pode trazer. Agora, só me resta esperar e
rezar. Farei minha parte e, ainda que triste, ele fará a dele.
Foi bom ficar mais um pouco
no colo de meu pai e receber dele o carinho que só o amor pode trazer. Foi bom.
Tenho um nome, mas tenho
vergonha dele. O que vou fazer é algo impensável para um pai. Sei que é certo.
Sei o quanto é importante tomar esta atitude. Porém, mais importante é não
recuar diante da minha decisão.
Caminho por corredores
brancos e, neles, apenas ouço o burburinho de comentários abafados. Decisões
(como a minha) são tomadas e vidas são poupadas ou ceifadas. Homens de branco
passam apressados e, pouco depois, ouço apenas o som de seus passos. Em
segundos estarei de frente com um deles. Não será uma rota de colisão, será um
momento onde um único homem falará, enquanto o outro ouve. Direi o que sinto.
Direi o que penso. Direi, infelizmente, para desligar os equipamentos caso ela
tenha que viver sob a dependência das máquinas. Não quero ter uma planta para
aguar dia a dia. Quero minha filha de volta.
Encontramos-nos. O médico se
surpreende com a minha abordagem. Agarro seu braço e, apertando-o, digo tudo o
que (minha filha mandou dizer) sinto. Não vejo bem seu rosto, já que meus olhos
estão tomados pelas lágrimas. Falo sem parar e ele ouve. Sinto que ele percebe
meu desespero. Sinto que ele percebe a verdade em minhas palavras.
Meus lábios se movem incessantemente, proferindo palavras as quais jamais deveriam ser ditas.
Meus lábios se movem incessantemente, proferindo palavras as quais jamais deveriam ser ditas.
Tenho um nome, mas não
importa mais. O que interessa é salvar ao menos a memória de Ana. Salvar a alma
de minha filha amada.
A dor é forte. Agora, é só
aguardar o momento certo. Todos estão preparados, inclusive eu mesma. Os
minutos transcorrem incessantemente. No fundo, eu gostaria muito de ver
acontecer tudo de outra forma. Mas quem sou eu para querer algo? Quem sou eu
para desejar algo além do que já me foi concedido? Nada, não sou mais nada e,
em breve, serei uma lembrança.
Espero que uma lembrança
boa...
Estou contemplando meu corpo.
É a coisa mais estranha dentro da minha existência. Contudo, não é tão
perturbador como já havia pensado. Todos, creio, já pensaram em sua própria
morte, e eu não sou uma exceção a esta regra. Morrer, agora, não me parece tão
terrível. Não estou vendo o esqueleto, vestido de preto e com sua foice na mão.
Estou vendo apenas meu corpo e o de minha mulher, deitados em um leito frio,
cobertos por finos lençóis brancos. Ela não me parece tão mal. Mas o que são
aparências? Estou vendo apenas a aproximação do fim, sem saber com certeza se
será um fim ou um começo. Dúvidas torturando minha alma. Dúvidas de um futuro,
incertezas de um passado e um presente onde o movimento dos ponteiros dos
segundos pode trazer a dor a qualquer instante.
Tudo isto me atingindo de
uma só vez. Será, penso, que quando despertar, se despertar, conseguirei me
lembrar de alguma coisa? Acho que não. Na verdade, não estou preocupado com
isto. Na verdade, estou preocupado é com Ana. Eu não posso vê-la, apenas
senti-la. E, dela, emana uma tristeza muito forte. A tristeza que só a perda e
a separação podem trazer.
Aconteceu algo que
inesperado. Em pé, à minha frente, está Hans. Não seu corpo. Eu vejo seu
espírito, vejo suas mãos se agitarem no ar, inquieto por não me ver. Ele pode
me sentir, porém só eu posso vê-lo. E, para piorar, ele está sentido, não sei
como, minha aproximação. É visível seu transtorno por estar preso a este
problema. É visível seu transtorno e decepção por não ter como me alcançar.
Coisas intrigantes e intangíveis. Decisões tomadas por alguém muito acima de
nós. Decisões que aceito passivamente.
CONTINUA...
CONTINUA...
Poxa, Franz...você conseguiu me fazer emocionar com esse conto. A sensibilidade da sua narração é fantástica! Você consegue nos fazer ficar angustiados mesmo diante da situação da história. É uma história bela, mas ao mesmo tempo tão trágica =S Fico pensando como reagirei à parte V.
ResponderExcluirBrother, não há como agradecer por palavras como essas. Espero, sinceramente, que o final do conto faça jus a elas.
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