Guerra Civil: a trama completa uma década de sucesso nos quadrinhos e evolui para o cinema. Análise da obra.
Por: Filipe Gomes Sena. Curta nossa fanpage: Apogeu do Abismo. #apogeudoabismo
Semana passada eu estava de
bobeira e tive um lampejo de percepção. Catei um encadernado da estante e
depois de uma folheada rápida encontrei a informação que eu queria, a data de
lançamento daquela história. Uma publicação que durou sete meses, mas que começou
na metade do, hoje longínquo, ano de 2006. Usando a matemática básica eu
descobri que essa história está completando dez anos de lançamento em 2016, o
mesmo 2016 em que a adaptação dessa mesma história chega aos cinemas de todo o
planeta Terra e adjacências. Está escrito na minha testa que o assunto desse
post é um clássico moderno dos quadrinhos. Hoje vamos falar da Guerra Civil da
Marvel.
Publicada entre Julho de 2006 e Janeiro de 2007, Guerra Civil é lembrado até hoje como um dos eventos mais marcantes do universo Marvel. Escrita por Mark Millar, cujo trabalho mais lembrado na Marvel além desse é Os Supremos, e com a arte de Steve McNiven, as sete edições de Guerra Civil foram compiladas em um encadernado capa dura lançado no Brasil em 2010. E foi um pouco depois do lançamento, provavelmente no início de 2011, que eu comprei esse encadernado e li esse divisor de águas do Universo Marvel.
Não se
preocupe, a partir de agora vou comentar sobre a história em si, mas com o
devido cuidado para não soltar possíveis spoilers do filme
Tudo
começa por causa de um acidente. Durante a gravação de um episódio do seu
reality show, um grupo de super-heróis da terceira, ou quarta, divisão da
Marvel, denominado Novos Guerreiros, encontra uma casa com vários super vilões
vivendo escondidos. Na tentativa de fazer um episódio que renderia uma grande
audiência, os Novos Guerreiros entram numa luta com esses vilões. Porém um
desses vilões é Nitro, antigo inimigo do Capitão Marvel que tem a capacidade de
se transformar em uma bomba viva. E de fato é o que acontece, mas ele explode
do lado de uma escola e acaba matando seiscentas pessoas na explosão. Esse foi
apenas mais uma das catástrofes envolvendo super seres que acontecia naquele
ano no Universo Marvel. Não preciso dizer que a repercussão disso foi gigante.
A questão dos super-humanos estava fora de controle e algo precisava ser feito.
Proibir os heróis de bater em vilões estava fora de questão, em um mundo lotado
de gente ruim com todo tipo de poderes isso seria impraticável. Eis que surge
uma solução: registrar todos os heróis e torná-los agentes do governo. É aí que
começa a treta generalizada.
O aspecto mais importante de Guerra Civil é o fato de que de fato não existem heróis ou vilões. Os heróis pró-registro liderados pelo Homem de Ferro têm razões bem fundamentadas para concordar com a lei, assim como os heróis anti-registro liderados pelo Capitão América. O bem e o mal não estão em conflito nessa história, certo e errado dependem exclusivamente do ponto de vista do leitor. O “escolha um lado” ou o “de que lado você está?” foram utilizados para divulgar tanto a série dos quadrinhos quanto o filme que estreia já já. Por que é assim que o leitor se sente, ler Guerra Civil é escolher um lado, torcer pelo que você acha certo, sabendo que o outro lado não está tão errado assim. Porém cabe ressaltar que nem por isso o conflito se torna mais bonito.
Duas coisas interessantes podem ser observadas quando o conflito dos heróis realmente começa. A primeira é que claramente nenhum dos personagens tem satisfação naquilo. A cada briga, a cada porradaria generalizada, a cada momento de embate, os personagens ficam mais quebrados. Enfrentar um antigo companheiro, uma pessoa que talvez tenha salvo sua vida é uma experiência traumática. E conforme a história avança a coisa não fica mais bonita. Isso nos leva à segunda coisa interessante: como em toda guerra que se preze, os dois lados da Guerra Civil também passam dos limites. Soluções eticamente questionáveis e que em alguns aspectos são quase hediondas, acabam fazendo com que role uma dança das cadeiras. Os dois lados não contabilizam só baixas, mas também desertores. A partir de determinado ponto, praticamente todo mundo se questiona em relação ao certo e errado de tudo aquilo, se aquela luta realmente vale a pena ou se eles estão do lado errado. Inclusive os vira-casacas são os meus personagens preferidos dessa saga.
Sobre
a arte não tenho muito a dizer. Exceto em alguns momentos em que os rostos
ficam um pouco estranhos e em boa parte das páginas rolar um close
desnecessário nas bundas de algumas heroínas, a arte de Steve McNiven é muito
boa. Alguns dos momentos mais marcantes são destacados com quadros de meia
página, artes de página inteira e com algumas das melhores artes de página
dupla que eu já vi. Editorialmente Guerra Civil deve ter sido um desafio e
tanto. Ao contrário de hoje em dia, lá em 2006 os eventos anuais afetavam
praticamente todas as publicações da editora. Guerra Civil tem uma quantidade
exorbitante de tie ins (revistas ligadas à série principal, que normalmente ajudam a expandir a história presente no evento), seja as edições especiais que foram publicadas aqui nos
quatro números de Guerra Civil Especial, seja nos títulos regulares de boa
parte dos heróis. O guia de títulos é no mínimo desanimador para quem tem
vontade de ler tudo relativo à Guerra Civil. Inclusive algumas coisas que
acontecem nesses tie ins só terminam na série principal e algumas pontas que
parecem soltas na série principal também só são amarradas em alguma das
histórias paralelas. Não é difícil ver alguma coisa começando sem terminar ou
terminando sem você ter visto o começo.
Sobre o filme tenho algumas coisas que merecem ser comentadas. Quando anunciaram que o terceiro filme do Capitão América seria uma adaptação de Guerra Civil não me pareceu uma notícia muito boa. Imediatamente eu me lembrei de dois personagens que fazem uma diferença fantástica, e por que não dizer que tem papéis espetaculares. Quando eu penso em Guerra Civil, mais do que Capitão América e Homem de Ferro, eu me lembro de Homem-Aranha e Mulher Invisível. Lembrando que quando o filme foi anunciado a Marvel e a Sony ainda não tinham fechado o acordo que permitia o uso do personagem nesse filme. O Homem-Aranha se torna uma espécie de garoto propaganda da Lei de Registro, inclusive protagonizando uma das cenas mais icônicas da saga que é a revelação pública da sua identidade secreta, mas acaba mudando de ideia quando a patota do Homem de Ferro começa a passar dos limites, mesmo motivo pela qual a Mulher Invisível troca de lado, mas com ela o contexto é ligeiramente diferente. Susan já tem uma identidade pública, assim como os demais membros do Quarteto Fantástico. A Mulher Invisível resolve abandonar os filhos e ir contra o marido para tentar impedir que aquilo tudo vá mais longe e faça ainda mais estragos.
Outra coisa que não vai existir no filme é o agente motivador da lei de registro. A irresponsabilidade de pessoas com poderes sobre-humanos provocou a Guerra Civil dos quadrinhos e no cinema os motivadores são os efeitos catastróficos que a atuação dos Vingadores e de seus membros vem causando ao longo dos anos. Além disso eu imagino que, por ser um filme que tem Capitão América no título, não deve gerar aquela dúvida no espectador sobre qual lado escolher. Com a história focada no Capitão, é bem provável que sejamos induzidos a escolher o lado dele. Vai ter o Homem-Aranha, mas acredito que ele não vai ter tanta relevância quanto nos quadrinhos. Com o filme solo dele vindo daqui a pouco, acho pouco provável que ele faça uma revelação pública da sua identidade secreta, o que tiraria muito do impacto que as decisões do personagem causaram em quem leu. Por uma questão de justiça não vou levar em consideração a disparidade gigantesca entre o número de heróis do filme e dos quadrinhos, seria sacanagem.
Guerra Civil para mim é mais que apenas uma história. Em 2010 eu comecei a ganhar meu próprio dinheiro e Guerra Civil foi um dos primeiros encadernados que eu comprei. Muito do que eu li depois é melhor do que Guerra Civil, mas até hoje é uma história que mora no meu coração, foi o começo da realização do meu sonho de criança de ter minha própria coleção de quadrinhos. Pouco mais de cinco anos depois eu me sinto feliz de ter começado com uma obra tão influente. Uma obra que pautou o Universo Marvel nos anos seguintes. Um clássico, com todas as honras e significados que a palavra pode ter. Podem fazer quantas quiserem, no cinema ou nos quadrinhos, mas nenhuma será como a primeira, e para mim única e verdadeira, Guerra Civil.
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