Matéria publicada originalmente no site da Revista Época neste post.
"Leia meu comentário no final e dê sua opinião"
Para celebrar sua 700ª edição, ÉPOCA refez a pesquisa de opinião de seu lançamento, em 1998. Resultado: os níveis de confiança e satisfação são recordes. O que explica o perene otimismo brasileiro?
RICARDO MENDONÇA, COM ALEXANDRE DE MELO, KEILA CÂNDIDO E LEOPOLDO MATEUS
Que o brasileiro esbanja otimismo sobre o futuro não é novidade. Há
exatos 70 anos, o austríaco Stefan Zweig cunhou a famosa expressão
“Brasil, país do futuro”, que captava a atmosfera esperançosa do país e
acabou virando título de seu livro mais conhecido. Cientificamente isso
também já foi comprovado. Em 2009, uma pesquisa mundial feita pelo
Gallup World Poll mediu o grau de satisfação com a vida em 144 países.
As pessoas precisavam responder quão felizes estavam numa escala de 0 a
10. A média 7 atribuída pelos brasileiros colocou o país na 17a posição
no ranking mundial, seis posições à frente da própria colocação no
ranking anterior, de 2006. Considerando o PIB per capita, que
colocava o Brasil em torno do 50o lugar no mundo, esse desempenho já
chamava a atenção. Quando os pesquisadores do Gallup perguntaram sobre a
expectativa de felicidade para 2014, o Brasil virou campeão mundial.
Com nota 8,7, apareceu em primeiro lugar na lista de 144 países. Agora,
dois anos depois, uma ampla pesquisa exclusiva constatou que o otimismo
brasileiro está calçado na realidade econômica, reflete a melhoria da
vida no presente e – a despeito dos problemas – está em ascensão.
Para celebrar sua edição número 700 – esta que você tem em mãos –,
ÉPOCA decidiu refazer a pesquisa sobre satisfação com a vida e
expectativa de futuro que foi tema da capa da edição número 1 da
revista, em 25 de maio de 1998. No levantamento de 13 anos atrás, ÉPOCA
estreou nas bancas mostrando o retrato de uma nação moderadamente
otimista, menos ufanista que seus vizinhos latinos, mas algo descrente
da legitimidade da democracia. Parecia razoavelmente satisfeita com a
vida, mas muito preocupada com o problema do desemprego. Falava-se
naquele momento que a autoestima do brasileiro estava “saindo do fundo
do poço”. O que mudou nessa sociedade, 700 edições depois, é o mote da
atual pesquisa. Ela foi levada a campo pelo Instituto MCI no mês
passado, com as mesmas perguntas de 1998, elaboradas então pelo centro
chileno Latinobarômetro e aplicadas aqui pelos institutos Mori Brasil e
Vox Populi.
Apesar de problemas crônicos como corrupção e violência, o país que
emerge da consulta parece viver um momento de intensa satisfação,
inédita desde a redemocratização, há pouco mais de 25 anos. Tostão, o
ex-craque de futebol, hoje cronista, escreveu, dias atrás, um artigo em
que captura essa sensação: “O complexo de vira-lata (que Nelson Rodrigues atribuiu aos brasileiros)
continua presente. Porém, existe hoje, bastante forte, o sentimento
oposto, o complexo de grandeza (...) Existe hoje uma euforia em parte da
sociedade, como se o Brasil estivesse uma maravilha e muitos outros
países falidos”.
A pesquisa encomendada por ÉPOCA mostra uma nação contagiada por esse
“complexo de grandeza”. Há um sentimento de satisfação vários graus
acima daquele constatado no fim dos anos 1990, algo que nem sempre é
explicável pelas circunstâncias imediatas ou pelas ainda difíceis
condições de vida da maioria. O otimismo parece fazer parte da
psicologia brasileira mesmo em momentos de crise. Quando as coisas vão
bem para o país, como agora, ele transborda. A que se deve isso?
O sociólogo e jornalista Muniz Sodré trata disso no livro A comunicação do grotesco: introdução à cultura de massa no Brasil.
Sodré relaciona mecanismos psíquicos e sociais que passaram a fazer
parte do “ser brasileiro”. Além do “espírito de conciliação”, do
“personalismo generalizado”, do “gosto pelo verbalismo” e da
“transigência nas relações raciais”, ele dedica especial atenção ao que
chama de “otimismo generalizado” – que, segundo Sodré, muitas vezes
transborda para o ufanismo. Para tentar explicar a origem desse
fenômeno, o autor volta aos anos 1930, quando o cenário político,
econômico e social passou por profundas transformações. Com a ascensão
de Getúlio Vargas, o “pai dos pobres”, o governo passou a incentivar um
modelo de integração nacional calcado na industrialização, na
urbanização e na complexidade do aparelho estatal, que fortaleceu o
nacionalismo. O rádio se consolidou como instrumento de difusão da ideia
de brasilidade. A cultura foi contaminada por esse clima de euforia
ufanista e passou a reproduzi-lo em cancões como “Aquarela do Brasil”,
de Ary Barroso. As riquezas naturais (“Essas fontes murmurantes, onde
mato minha sede...”) começaram a ser decantadas. Num cenário de orgulho
cada vez mais retumbante, até Deus virou brasileiro. O otimismo se
exacerbou e o ufanismo tornou-se uma característica nacional. O Brasil
se converteu no “país do futuro”, diz Sodré, um país grandioso, de
enorme potencial, de gente simples, mas trabalhadora. “Deixam de existir
limites entre o Brasil real e o Brasil possível”, escreveu ele.
A reportagem na íntegra está disponível para assinantes da Revista Época ou adquira seu exemplar em bancas.
Nota: o índice de aprovação e satisfação dos brasileiros é fruto de uma pesquisa e, portanto, não é um retrato verdadeiro da situação de todos os nossos compatriotas. Sempre restará muito o que fazer, pois as diferenças sociais e o descaso dos políticos no tocante aos menos favorecidos ainda é algo vergonhoso.
O otimismo é uma das ferramentas para que possamos progredir. Porém, indubitavelmente, precisamos de reformas urgentes nas áreas tributárias, de sáude, segurança e educação. É inaceitável ver políticos manipulando votações e aumentando os próprios salários como se isso fosse correto. É inaceitável saber que um policial e um professor recebem quatro vezes menos que um ascensorista. É ridículo o desprezo dado aos bombeiros. Quais os motivos que justificam gastos enormes com ajuda humanitária a outros países se, em nosso próprio território, temos fome, miséria, violência e mortalidade em níveis de Terceiro Mundo?
Vamos nos valer dos sorrisos e do otimismo para buscar sempre algo a mais. Não é correto acreditar que as coisas estão melhorando se isso só atingir uma parcela do povo. TODOS devem ter direito aos benefícios que estão disponíveis a apenas uma minoria.
O Brasil é o país do futuro, não duvido, mas em minha mente ainda paira um trecho de uma música que diz: "E que você descubra que rir é bom, mas que rir de tudo é desespero...".
(Franz Lima)
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