Este artigo foi publicado originalmente em Veja On-line no dia 31/05/2006.
Autor: Jerônimo Teixeira
Os livros são
objetos frágeis. Suscetíveis a diversas ameaças naturais
– traças, inundações, incêndios –, têm
de enfrentar ainda as mais destrutivas paixões humanas: o fanatismo religioso
e a censura ideológica. História Universal da Destruição
dos Livros (tradução de Léo Schlafman; Ediouro; 438
páginas; 49,90 reais), do ensaísta venezuelano Fernando Báez,
é um assustador painel histórico da eliminação de
bibliotecas. São documentados cinco milênios do que Báez chama
de "memoricídio". Nunca houve uma época histórica sem alguma
forma de perseguição aos livros (e, por extensão, a seus
autores). Mais perturbador é constatar que não são só
os brutos e ignorantes que acendem as fogueiras. O típico biblioclasta
(destruidor de livros), pelo contrário, é um erudito que conhece
em profundidade determinada tradição religiosa ou ideológica
– e que por isso mesmo deseja banir qualquer dissidência. Até
mesmo Platão teria destruído, segundo testemunhos, a obra de filósofos
rivais. "Os maiores inimigos dos livros são intelectuais", disse Báez
a VEJA.
Especialista na conservação
de bibliotecas, Báez trabalha como consultor de órgãos como
a Unesco. Sua História Universal é um exaustivo inventário
da destruição cultural. O trajeto histórico do livro começa
no que hoje é o Iraque. Foi naquela região que apareceram as primeiras
evidências da escrita, em tabletas de argila produzidas pelos sumérios,
há cerca de 5.000 anos. Sítios arqueológicos da época
já revelaram tabletas destruídas e queimadas, como resultado de
ações de guerra. A mais célebre biblioteca da Antiguidade,
na cidade egípcia de Alexandria, também acabou destruída.
Fundada em III a.C., essa biblioteca foi provavelmente o maior acervo de livros
do mundo antigo. A causa de seu desaparecimento definitivo ainda é matéria
de controvérsia entre historiadores.
O patriarca
cristão Teófilo provavelmente foi responsável pela destruição
de um anexo da biblioteca de Alexandria, no século IV. A religião
sempre foi uma das principais motivações dos biblioclastas. Durante
a Contra-Reforma, o rigor da Inquisição foi tal que até Bíblias
em língua corrente eram queimadas, pois a Igreja Católica só
admitia o livro sagrado em latim. O fanatismo político tem tanto poder
destrutivo quanto o religioso. No século XX, não há imagem
mais simbólica do obscurantismo biblioclasta do que as fogueiras de livros
na Alemanha, em 1933 – um prelúdio sinistro do genocídio que
os nazistas promoveriam na Europa. Joseph Goebbels, ministro da Propaganda nazista
e mentor ideológico da destruição, estudou filologia na Universidade
de Heidelberg. O livro de Báez registra outras ironias do mesmo naipe –
como, por exemplo, a censura e a queima de livros promovidas na China comunista
por um movimento que se intitulava Revolução Cultural.
História Universal encerra-se com um capítulo
sobre a Guerra do Iraque. Báez fez parte de uma comissão de especialistas
que visitou o país pouco depois da invasão americana, em 2003, para
aferir os danos causados ao patrimônio cultural iraquiano. Seu relato é
desolador: museus, bibliotecas, sítios arqueológicos arrasados.
Os danos começaram com os bombardeios, mas a devastação maior
se deu quando os primeiros combates cessaram. Turbas enfurecidas saquearam e queimaram
a Biblioteca Nacional e o Museu Arqueológico de Bagdá. Foi uma reação
de revanche: a população identificava as instituições
culturais com o regime deposto de Saddam Hussein, que nomeava seus diretores.
O Exército americano omitiu-se vergonhosamente de defender um acervo de
importância universal – o Iraque concentra peças de numerosas
civilizações antigas, como os sumérios, babilônios
e assírios. Contrabandeados para fora do país, livros raros e peças
arqueológicas alimentaram o mercado negro internacional. Da Biblioteca
Nacional sumiram edições antigas das Mil e Uma Noites. Do
museu, foram roubadas algumas tabletas de argila sumérias que estariam
entre os primeiros livros da história. É outra melancólica
ironia: o primeiro grande "memoricídio" do século XXI aconteceu
no lugar onde nasceu a palavra escrita.
Li o livro e recomendo-o com muita tranquilidade e consciência, em virtude de seu conteúdo revelador e chocante. A História é mostrada com grande seriedade, fato que já traz um algo a mais ao livro, principalmente quando comparado às outras produções menos comprometidas com uma realidade incômoda e suja, mas que se repete quase que ciclicamente. Esta obra serve para alertar sobre as formas usadas por milênios para destruir o que temos de mais precioso: a memória.
Oi Franz! Tudo bom? Obrigado pelo comentário.. confesso que realmente não sou dos melhores com o português, mas vou aceitar com certeza sua dica. Sempre que possível aparece no Pensamentos do Vácuo para mais opiniões, vlw
ResponderExcluirSempre às ordens, amigo. Obrigado por prestigiar meu trabalho. Sucesso.
ResponderExcluirFranz.