"Bordados" fala do poder feminino
Fonte: Gazeta Maringá. Texto de Irinêo Baptista Netto
Iraniana radicada em Paris, Marjane Satrapi parte mais uma vez de suas memórias para tratar da situação das mulheres no Irã
Marjane
Satrapi é um mulherão. Pelo menos essa é uma impressão deixada por
fotografias. Quando participou do júri no Festival de Cannes, em 2008,
era mais alta do que todos os homens do grupo – incluindo o presidente,
Sean Penn.
Iraniana,
ela vive em Paris, não tem papas na língua e discute com franqueza sobre
o que quer que seja. Foi essa postura que fez sua fama na série em
quadrinhos Persépolis e é ela que abrilhanta a história contada em
Bordados, publicado agora pela Companhia das Letras.
No livro, Marjane faz um recorte da vida das mulheres no Irã para
discutir relações afetivas, casamento, traições, tradições e a anatomia
masculina. Depois de um almoço, quando os homens se retiram para fazer a
sesta, as mulheres organizam a casa, lavam a louça e chegam ao momento
pelo qual esperaram avidamente: o do samovar, o recipiente usado para um
tipo de chá que precisa ser cozido por 45 minutos.
Assim como fez em outros livros, Marjane também parte de experiências
pessoais para descrever as conversas que a avó, a mãe e as amigas delas
tinham quando não havia nenhum homem por perto. “Falar dos outros pelas
costas é ventilar o coração”, dizia a avó da autora.
Com uma xícara de chá na mão, cada mulher começa a desfiar suas
experiências e opiniões pessoais, além de fofocar muito sobre a vida
alheia. Entre as histórias narradas em torno do samovar, há a da mulher
que sonhava em casar com um estrangeiro para escapar do regime machista
do Irã – e o fez, participando de uma cerimônia com convidados e tudo,
mas, no lugar do noivo, estava uma foto do dito-cujo, que ficou
esperando a amada na Alemanha. (Mais tarde, se descobre que ela não era
tão amada assim...)
As nove mulheres, Marjane incluída, conseguem conversar sobre temas
triviais e sobre outros mais difíceis. Nessas horas, o humor da autora é
um alento, bem como o afeto com que trata as pessoas do seu círculo
social, sobretudo a avó.
Bordados pode ser encarado como um tributo às mulheres iranianas,
mostrando que a força delas é imensa apesar da maneira como são
subjugadas pelas leis e pela tradição do país. Basta ver a participação
breve e cômica do avô na HQ, que tem a última palavra.
Se levar ao pé da letra a expressão “história em quadrinhos”,
Bordados não se encaixaria na categoria. O termo “arte sequencial”,
usado como sinônimo do gênero, faz mais sentido. Marjane transcende os
limites dos quadros – como, aliás, todos os bons artistas fazem – e o
tempo todo oferece pontos de vista inusitados e soluções geniais para
momentos diferentes da história.
O texto é escrito em letras corridas, o que acentua a intimidade:
tem-se a sensação de estar folheando um diário, ou travando uma conversa
reservada com a autora e as personagens. Depois de introduzir o grupo
de mulheres e descrever o cenário, a narrativa segue o formato de relato
pessoal, com cada uma contando suas memórias. A narradora onisciente do
início do livro sai de cena e só reaparece no papel de personagem que
participa da ação.
Os traços de Marjane são inconfundíveis. Usando apenas o preto e
branco, ela tem uma ingenuidade de traço que, de modo paradoxal, exige
soluções elaboradas para determinadas situações. Um casal se beija e o
encontro dos corpos é resolvido com alguns poucos traços. É quase poesia
na forma de desenho.
O estilo da desenhista é claramente influenciado pelo cinema. No
começo do livro, uma pequena introdução é feita antes de surgir o
título. Bordado, além do significado óbvio – o trabalho manual bastante
comum no Irã e também no Brasil, ao lado do tricô –, é uma expressão
usada para a cirurgia de reconstrução do hímen que as mulheres iranianas
fazem quando não são mais virgens, para não ferir a “masculinidade” do
marido.
A tal cirurgia simboliza o que Marjane Satrapi considera absurdo na
sociedade iraniana. Num episódio narrado pela avó, uma mulher entra em
pânico antes do casamento porque perdeu a virgindade com o seu
verdadeiro amor e tem medo de que o futuro marido descubra o fato justo
na noite de núpcias. A avó sugere então que ela leve uma lâmina de
barbear para a cama, grite muito durante o sexo e faça um pequeno corte
em si mesma para simular o hímen rompido.
Marjane Satrapi |
A mulher aceita as sugestões, mas, na hora H, acaba cortando o
testículo do marido. Todas caem na gargalhada porque o sujeito preferiu
ficar quieto e casado do que correr o risco de virar piada dos amigos.
Em Persépolis, Marjane, bisneta de um rei da Pérsia, escreveu sobre
sua infância no Irã, mostrando a relação com os pais liberais, que ela
chama de “esquerdistas de caviar”. Frango com Ameixas explora a herança
artística da família e fala a respeito do tio músico que teve um valioso
tar (instrumento persa de cordas) destruído pela mulher durante uma
briga.
Durante um período breve no ano de 2005, a quadrinista teve uma
coluna de opinião no jornal The New York Times. Suas colaborações
misturavam textos, desenhos e pontos de vista contundentes sobre a
administração de George W. Bush, o Irã, a França e os cigarros (que ela
defendeu com unhas e dentes).
Leia um trecho de Bordados em pdf, via Cia. das Letras
Nossa, parece realmente divertido o livro. As mulheres iranianas realmente sofrem em um país onde elas n são absolutamente nada. Seria bom ver isso do ponto de vista delas =)
ResponderExcluirLi a versão integral de Persépolis. A narrativa dela é bastante interessante e retrata com fidelidade todos os traumas de uma juventude tomada pela repressão e pelo fanatismo religioso. Leitura indispensável...
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