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Os caminhos do sertão de João Guimarães Rosa

Seria preciso ser um  inventor de palavras, como foi  João Guimarães Rosa, para  cobrir minimamente as qualificações que merece Grande Sertão: Veredas. Obra-prima da literatura, fundamental para a compreensão de nossa identidade, empreendimento artístico monumental, infuência para tantos escritores, tratado universal sobre o homem. São muitas as sentenças que poderiam ser elencadas para ressaltar esse romance atemporal, um dos mais importantes do século XX. Foi essa relevância que no início de 2011 motivou a Editora Nova Fronteira e a Livraria Saraiva a realizarem um grande projeto em conjunto: uma edição especial que trouxesse outra dimensão da obra por meio da divulgação de um material nunca publicado. Assim, surgiu a caixa Os Caminhos do Sertão de João Guimarães Rosa.
O ponto de partida foi o entusiasmo em  colocar em  livro pela primeira vez o importante texto A Boiada, até então restrito aos arquivos do IEB-USP. A Boiada é um documento fundamental para entender não só a construção das obras de Guimarães, mas também, de maneira geral, o esforço que precede uma grande obra literária, o seu fazer, o trabalho árduo do escritor.

A BOIADA: POR DENTRO DO SERTÃO
Em maio de 1952, João Guimarães Rosa juntou-se à comitiva de Manoel Nardy, que inspirou o famoso personagem Manuelzão, e  fez uma  travessia pelo ser tão mineiro. Mais do que o reencontro com sua terra natal, havia um nítido  interesse do autor em cartografar esse espaço e aprender mais sobre a cultura de boiadeiros e sertanejos. A leitura das duas  cadernetas  escritas  nessa viagem, as quais chamou de A Boiada 1 e A Boiada 2, dão a medida desse interesse. Tanto que mais tarde as anotações foram aproveitadas especialmente na elaboração das novelas de Corpo de Baile.
O conteúdo das cadernetas é fragmentário e muito detalhado, um composto de frases, palavras, cenas, paisagens, desafios, lundus, quadras, cantigas, além de histórias e comentários a respeito do cotidiano dos homens com quem o escritor conviveu nesse período.
A partir desses fragmentos, é possível recompor o  percurso  de  Guimarães  pelo  ser tão  e  por  sua literatura, pois o itinerário revelado nas anotações, apenas aparentemente sem sistematização, revela a olhos mais atentos interseções com os caminhos trilhados pelos jagunços de Grande Sertão: Veredas.

A  caixa Os Caminhos do Sertão de João Guimarães Rosa, com tiragem numerada e  limitada de 10 mil exemplares, é produto de extenso trabalho editorial da equipe da Nova Fronteira. Valoriza-a um novo projeto gráfico e a série de belas ilustrações que o arquiteto Paulo Mendes da Rocha produziu exclusivamente para a edição. A  caixa  é  composta  dos  seguintes livros: Grande Sertão: Veredas – Edição exclusiva,  tendo por capa a primeira página do  fac-símile da obra, em que Guimarães define o título, riscando de próprio punho a sua primeira proposição datilografada: Veredas Mortas. A edição é acompanhada, ainda,  por  um texto explicitando  o  trabalho  fonético da escrita rosiana e como se estabelece o Acordo ortográfico em João Guimarães Rosa. O livro também apresenta algumas capas nacionais e internacionais do romance que ganhou o mundo.

A Boiada – O fac-símile, todo impresso em cores, o original datilografado de Guimarães registrando a viagem pelo ser tão. Nas margens das páginas, em canetas de cores diferentes, ele indica: Corpo de Baile, Miguilim, Grande Sertão, Batalha... Um verdadeiro registro genealógico e raro da construção da obra do autor. O volume ainda conta  com a  contribuição de Sandra Vasconcelos, professora de literatura brasileira do IEB-USP e de Mônica Meyer, professora e bióloga da UFMG. 
Livro de Depoimentos – Com texto  de  apresentação  da  Nova Fronteira  e  da  Saraiva,  traz  depoimentos  inéditos  em  livro  de nomes  como Antonio Candido e Haroldo de Campos sobre o Grande Sertão: Veredas.

UM LIVRO NO MEIO DO REDEMOINHO
Por que Guimarães Rosa? Por que a experiência de sua leitura é tão fundamental  e  particular ainda hoje? Muitos dizem que ler Grande Sertão: Veredas é empresa difícil.  Nem tanto.  Uma vez em seu  universo  está  aber ta  outra compreensão sobre a vida, ampla e aguda, e todas as recompensas se dão nessa travessia.
Estamos falando de um livro que possibilita múltiplas leituras, que aborda, com riqueza e invenção, o drama do homem e sua aventura no mundo.  A paisagem agreste brasileira, o ser tão, é, por tanto, o universo todo, o mistério. História de amor e amizade, ambígua luta entre o bem e o mal, a vida sempre entrecortada por caminhos e descaminhos – veredas.
(DANIEL LOUZADA)

JOÃO GUIMARÃES ROSA nasceu em Cordisburgo, Minas Gerais, em 1908. Consagrado pela inovação que trouxe para a literatura brasileira, é um dos escritores mais originais e inventivos de toda a nossa história. Formou-se em medicina e exerceu a profissão até 1934, quando ingressou na carreira diplomática. Seu primeiro livro, Magma, uma reunião de poemas, que por muito tempo permaneceu inédito, conquistou o prêmio da Academia Brasileira de Letras. Num movimento que prescreve sempre uma “travessia”, do primeiro livro de poesias Guimarães lança-se, a partir de então, numa prosa vigorosa, mas sem sombra de dúvida altamente poética. Sua estreia, para o público, deu-se com o volume de contos Sagarana, em 1946. Dez anos depois publica o romance Grande Sertão: Veredas, um marco na história da literatura contemporânea. Também em 1956 publicou originalmente os dois volumes de novelas intitulados Corpo de baile, a que se seguiram: Primeiras estórias (1962) e Tutameia (1967), além de dois livros póstumos: Estas estórias e Ave, palavra, ambos em 1969. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1963 e empossado apenas em 1967, falecendo três dias depois.

Comentários

  1. Tenho que começar a ler literatura clássica brasileira...

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  2. Esta coleção especial do Guimarães Rosa está em alguns lugares por 69 pratas. Imperdível não só pelo preço, como também pela qualidade.

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