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Conto: Mais uma dose. (Parte 1 de 7)


Autor: Ednelson Jr.

Capítulo I

A chuva persistia lá fora nesse dia que foi tão incomum para Diogo, um jovem moreno de cabelos negros lisos e curtos com um físico comum e 1,72m de altura, tudo parecia desfocado desde o momento em que acordou pela manhã, como quando um desenhista acidentalmente derrama água sobre o personagem que está sendo traçado no papel alvo. Ele observava em frente à janela de seu quarto, vestido com uma bermuda velha, a chuva que parecia sem fim lá fora, as ruas agora estavam completamente vazias, sem carros ou qualquer transeunte que por azar estivesse fora de casa no momento em que as nuvens resolveram chorar à noite. Depois de alguns minutos perdido em sua própria cabeça, alheio ao seu próprio quarto e atento somente ao mundo que parecia se desmanchar lá fora, voltou seu olhar para a sua cama e ao corpo feminino que estava coberto até a cintura por um cobertor vermelho que, em contato com a pele alva daquela mulher, o fez pensar em alguns dos romances que mais gostava, principalmente “Drácula”. A mulher em questão chama-se Luana e sem dúvida alguma foi uma parte ainda mais singular de seu dia.
Vamos retroceder algumas horas até a manhã daquele dia. Como era um sábado, estava de folga de seu trabalho de atendente em uma loja de informática, portanto decidiu ir para a livraria, que ficava no centro da cidade, logo pela manhã ver se algum titulo que lhe interessasse havia chegado, depois de um verdadeiro banquete de pão com ovos fritos. Após desligar as luzes de seu humilde apartamento, localizado na periferia da cidade, dirigiu-se até a porta quando o seu celular começou a emitir o aviso sonoro de que alguma mensagem havia sido recebida, provavelmente era alguma mensagem da operadora dizendo para ele colocar mais créditos, entretanto a mensagem era de sua mãe que atualmente vivia no lado oposto da cidade. Ela estava pedindo para que ele a visitasse, pois andava muito sozinha desde a morte do marido, fato que ocorreu há 4 anos, e queria conversar um pouco. Mas pelos diabos, a sua mãe ou Martha, como pensava nela desde que saiu de casa aos 20 para morar sozinho, nunca foi uma figura materna muito acolhedora, muito pelo contrário, foi sempre como uma ditadora. Sempre gritando como uma histérica: “Diogo Filipe Martins, venha logo aqui! Não leia esses livros de vampiros, lobisomens e demônios porque são coisas do capeta! Diogo, não saia com esses seus amigos vagabundos que escutam música do capeta, vi no jornal que alguns desses meninos que escutam esse tal de Ozzy Osborne cultuam Satanás e comem cabeças de morcego!”. Obviamente ele não iria visitar a mãe, afinal se quisesse ouvir sermões frequentaria alguma igreja onde o espetáculo de ‘Aleluia! Amém! Glória a Deus!’ era o pão e circo ainda em pleno século XXI. Ah, mesmo depois de três anos agradecia todo dia por ter saído de casa e mesmo com pequenos apertos às vezes conseguia obter bastante conforto em sua vida como atendente de uma loja de informática e estudante de análise e desenvolvimento de sistemas à noite.
Depois do pequeno contratempo com a leitura da mensagem, saiu, trancou a porta e começou a andar pelo corredor do prédio em direção à escada. Como era cedo, o prédio ainda estava mergulhado em silencio, pois a maioria dos moradores estava dormindo. Ao chegar ao térreo viu que o seu Luiz, porteiro do prédio, estava na guarita como sempre assistindo ao jornal da manhã com uma caneca de café quentíssimo na mão direita. Ao perceber a aproximação de Diogo olhou para ele com seus olhos verdes, se levantou da cadeira sem sequer balançar o café na caneca e disse um grande “Bom dia, senhor Diogo!”, era deveras estranho ver o seu Luiz, um homem de 50 anos, dirigir-se a ele, um jovem de 23, como senhor, mas sabia que isto era uma mera formalidade de sua função e não demonstrava necessariamente qualquer respeito real. Diogo respondeu o cumprimento com um leve balançar de cabeça e um discreto “Bom dia.”.
— Caiu da cama hoje, senhor Diogo? – perguntou o porteiro enquanto já se dirigia para a porta com um molho de chaves.
— Não. É que hoje é minha folga e resolvi passar na livraria e ver se chegou algo novo.
— Livros? Huuummm, minha falecida esposa, que Deus a tenha, adorava. Ela comprava toda semana aqueles livros de banca de revista sobre mocinhas que se apaixonam por homens que trabalham no campo e coisas do tipo.
Diogo tinha sérias dúvidas sobre qual o motivo de livros como “Sabrina” ainda serem vendidos nas bancas, provavelmente essa fosse a cota mínima de futilidade e literatura deplorável que o mundo precisava ou pelo menos tinha de suportar como um martírio por ter gerado escritores tão medíocres.
—Agora achei a maldita chave! – então colocou a chave dourada na fechadura e começou a girar para abrir a porta da frente. Nesse momento Diogo começou a ouvir o badalar de um sino que cessou quando a porta estava entreaberta
— Seu Luiz, você ouviu o som de sinos? – falou com uma expressão de confusão em sua face.
— Som de sino? Hããã, não ouvi som de sino, não. Acho que pode ser porque você usa esses aparelhos de celular. Ouvi dizer que eles podem causar câncer no cérebro! O senhor tem ido ao médico?
— Acho que foi só minha imaginação mesmo – disse isto para cortar a conversa com o seu Luiz e não porque realmente lhe ocorreu que tinha sido sua imaginação, afinal havia uma igreja há cerca de duas quadras de distância dali.
Quando Diogo já estava andando para a rua o porteiro falou:
— Ô senhor Diogo, você deixou cair esse papel aqui. – ele estendeu um papel que estava dobrado.
Mesmo não se lembrando de ter saído com um pedaço de papel, pegou-o, pois às vezes costumava esquecer coisas nos bolsos de suas calças.
— Obrigado – disse olhando para o rosto velho e com algumas rugas do seu Luiz e seus olhos azuis... ôpa, azuis?! Pelo que lembrava os olhos do porteiro eram verdes, mas achou que fosse uma falha de sua memória.
— Por nada – falou com uma voz estranha, uma voz que lembrou a atuação de Vincent Price em “O Abominável Dr. Phibes” e com um sorriso que por um breve momento pareceu exibir dentes pontudos, mas com um piscar de olhos tudo pareceu voltar ao normal.
Ao sair para a rua, o som do movimento de pessoas e dos carros em um fluxo constante passou a bombardear seus ouvidos, este era o som da respiração de toda grande cidade. Como era um sábado de forte sol, que continuaria tão quente quanto agora ao longo do passar das horas segundo a previsão do tempo de ontem à noite, a praça em frente ao prédio estava cheia de crianças e seus responsáveis. Um carrinho de algodão doce, outro de pipoca e um carro-sorveteria faziam a alegria das crianças que consumiam cerca de vinte por cento do que foi comprado e que derrubavam, se sujavam ou tinha os outros oitenta por cento roubados por crianças maiores quando suas mães ficavam desatentas conversando sobre a matéria da capa de uma revista de fofoca ou sobre o episódio da noite passada de uma novela qualquer. A vida sempre foi algo que tomou boa parte das suas reflexões, sempre pensando em como tantas pessoas prosseguiam em seus caminhos tão felizes quanto vacas caminhando por um corredor de metal rumo ao abate, ao derradeiro mugido. A banalidade com que alguns se nutriam e pareciam estar satisfeitos sempre era perturbadora para ele, a capacidade da massa de não enxergar algo mesmo que esteja a menos de um palmo de distância era absurda. Ultimamente estava se perguntando a razão de acordar todo dia, pois, aparentemente, dormir e permanecer envolvido por aquela escuridão sem som, sem imagens, sem nada, parecia uma boa alternativa às vezes. Principalmente quando algum alcoólatra que morava no prédio resolvia colocar uma música que causava asco no volume máximo, aparentemente numa bizarra tentativa de suicídio regada a álcool e músicas que diziam “Chão! Chão! Chão! Chão! Chão! Chão! Chão! Chão!”. Quantas vezes a vontade de ir até o apartamento do porco, lhe cortar a garganta, voltar ao seu apartamento e ouvir “Never Tear Us Apart” enquanto as sirenes da policia executavam seu coro de luzes vermelhas e azuis e um som muito agudo pelas ruas haviam tentado dominar sua mente?! Inúmeras era a resposta, não uma, duas ou três e sim inúmeras. Tantas vezes quanto o número de estrelas no universo!
Ele estava a poucos metros do ponto de ônibus quando olhou para a sua direita em direção à igreja que possuía um ar de antiguidade com suas gárgulas no teto e o sino numa torre que ficava por trás dela. Ela estava com as portas fechadas. Enquanto estava absorvido em sua contemplação, um carro passou em alta velocidade pela rua, quase atropelando uma senhora idosa que usava uma bengala enquanto atravessava na faixa de pedestres em direção a uma farmácia do lado oposto à igreja. Isso o fez se virar imediatamente, pois antes de virar-se não sabia o que tinha acontecido obviamente. Pela balbúrdia formada ao redor da idosa com a bengala foi que compreendeu o que tinha ocorrido, como tudo estava bem e ele no momento tinha coisas mais interessantes a fazer do que ficar pairando como um abutre ao redor de uma velha, voltou-se para o ponto ao qual pretendia chegar e pegar um ônibus, preferencialmente que não estivesse lotado, afinal não se adaptava muito à ideia de ficar espremido no meio de uma multidão de desconhecidos (constantemente com uma higiene que deixa muito a desejar). Então uma agoniante coceira na sua têmpora direita parecia gritar para que ele olhasse para a direita. O que viu foi como se sua mente tivesse sido arrastada por uma descarga, simplesmente a igreja não estava mais lá. No exato espaço em que a igreja estava agora havia uma casa funerária chamada “Descanso tranquilo”, o que havia sido isto? A vontade de Diogo era olhar em todas as direções para ter certeza absoluta de que isto não era um quadro de programa de humor e estivesse sendo vítima de uma “Pegadinha”. Mas em seu intimo sabia que realmente não era, porém quando sua mente não consegue encontrar um esquema lógico nas coisas anseia por qualquer outra explicação que possa lhe trazer alívio imediato. Mesmo estando muito perturbado com o ocorrido retomou seus passos para o ponto de ônibus, achava que tudo tinha uma explicação. Já leu alguns tratados científicos sobre os efeitos de tumores no cérebro e achava que em alguns deles tinha lido que pessoas com tumores na cabeça podiam sofrer alucinações, será que realmente o seu Luiz não estava tão errado? Talvez tudo não passasse do efeito do estresse pelo qual estava passando atualmente com a proximidade da conclusão do curso, a necessidade de entregar o TCC e as pressões no trabalho.
Quando sentou-se no ponto de ônibus e baixou o olhar para o chão, como para confirmar que ainda estava pisando no solo, viu o papel em sua mão direita, papel este que havia pegado com o porteiro do prédio e andado com ele em mãos sem sequer o tê-lo aberto.  Agora o abriu e o que viu foi ainda mais surreal que após visualizar as letras e apreender o significado das palavras escritas por sabe-se lá quem rasgou o papel em dezenas de pedaços, depois os jogou na rua, pôs as mãos no rosto e o esfregou numa tentativa de limpar toda essa anormalidade.
— Pois é – murmurou Diogo – devo estar ficando louco, uma verdadeira beleza isso agora.
O que estava escrito no papel era:
Para onde foi a igreja?!

CONTINUA...

Comentários

  1. Franz, obrigado por publicar meu conto. Fico muito grato!

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  2. Demorou, mas saiu. Não precisa agradecer, meu brother. É mais do que merecido esse seu espaço. Estou gostando muito da história.
    Abração...

    ResponderExcluir
  3. Não posso dizer o que acho desse conto do Ed, pq é spoiler deuhdeuhde

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  4. Nossa muito bom esse conto parabéns ao autor. Que seu trabalho se já reconhecido...

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    Respostas
    1. Felipe, há mais trabalhos do Ed aqui e também no site dele: www.policialdabiblioteca.blogspot.com.br.
      Abraços.

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