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Conto: Mais uma dose. (Parte 3 de 7)


Capítulo III



Livros falando?! Nossa, se não fosse o clima tão denso isso iria parecer cena de algum filme da Disney sobre um adulto que acaba entrando, no sentido verdadeiro da palavra, num livro, todavia devido à falta de cores e às ideias subjacentes nesta trama isso estava mais para um filme que seria exibido somente para adultos e na qual talvez algum adolescente com inteligência suficiente, o material necessário para produzir uma identidade falsa e uma dose de boa sorte conseguiria enganar o homem que confere os ingressos na entrada da sala de exibição. Diogo, mesmo sem saber, obedecia a uma lógica que poderia ser chamada de “lógica do louco são”, segundo esta lógica quando você estava em uma situação de extrema loucura e na qual qualquer tentativa de compreender o levasse à querer comprar um revólver, enfiar o cano em sua boca quase até tocar na garganta e disparar, ficando vivo ainda alguns segundos para saborear a pólvora, sua mente deveria simplesmente aceitar as coisas tais como elas estavam se apresentando, pois tentar resistir iria foder sua mente da forma mais brutal possível, seria como fritar o seu cérebro enquanto ratos entravam pelo seu umbigo e devoravam tudo que poderia ter dentro de você! Acreditem lutar contra o inseto da loucura que cavava sua cabeça às vezes é só um aquecimento para o grande ato, talvez um assassinato em massa, um atentado terrorista, os jornais mostravam direto casos em que o inseto da loucura se nutriu da mais deliciosa crueldade humana, pois se tratando de crueldade o ser humano nunca teve necessidade do diabo, pois o próprio diabo se assustaria com algumas coisas. Vendo o curso que a humanidade tomava Diogo pensava que se o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, então não queria sequer ouvir ou falar além do necessário sobre esse arquiteto mal sucedido em seu projeto.
Os passos de Diogo ao fundo da livraria continuavam, em meio a todos os pensamentos que se desenvolviam durante a aproximação. O que haveria por trás do balcão? Até quando essa loucura iria durar? Agora batia uma séria dúvida qual vida era uma alucinação, essa na qual está agora ou a outra onde constantemente os dias se arrastam como alguém na agonia da morte, tentando clamar por socorro durante seus últimos suspiros? Por enquanto essa era uma dúvida que não tinha como ser sanada, teria de aguardar ainda algum tempo. Algumas partes do burburinho dos livros agora podiam ser compreendidas, tratava-se do que estava escrito em alguns deles, sabia disto porque já leu uma considerável fração dos conteúdos que as vozes narravam.
Chegou ao balcão, mas estava tudo normal. Olhou para a porta dos fundos e viu uma porta com uma placa, como aqueles de escritórios com o nome de quem a ocupa, contudo nesta não estava o nome de alguém, mas outra palavra muito mais intrigante, na plaquinha dourada estava escrito “Fim”. A maçaneta tinha o formato de um rosto, contudo uma poeira cobria-o impossibilitando o reconhecimento. Diogo colocou sua mão esquerda por baixo da camisa de uma banda chamada “Talking Heads”, camisa que parecia agora uma piada planejada para este instante dos livros falantes, e usou-a para limpar a maçaneta. Ela era dourada, será que não era banhada à ouro? Ele abaixou-se até ficar com os olhos na altura da fechadura e tentou reconhecer o rosto na maçaneta. Sem dúvida alguma era algo familiar, sabia porque a resposta para “De quem é esse rosto?” estava lentamente se delineando em sua boa até que em um instante inesperado disse:
Esse é o rosto de Dionísio! – já o havia visto em um livro sobre mitologia grega que tinha comprado há cerca de três meses atrás e que estava guardado na sua gaveta de roupas agora – Por que isso aqui? Huuummm, vamos ver se está aberta – não estava, tentou arromba-la forçando-a e dando encontrões, mas nada funcionou – Nos filmes isso parece bem mais fácil.
Como suas tentativas de abrir aquela porta falharam achou melhor partir logo para a próxima alternativa, procurar a chave. Havia claramente a possibilidade de que esta chave nem estive aqui, mas mesmo assim decidiu que começar a procurar pelas gavetas do balcão já era um bom inicio. Começou a revirar algumas caixas que estavam guardadas atrás do balcão, mas tudo que tinham eram registros das vendas, exemplares de livros que ainda seriam colocados nas estantes, jornais antigos, revistas que não foram compradas e seriam devolvidas para os seus fornecedores e um monte de papelada que não eram muito interessantes para ele. Ao todo tinha quatro gavetas para investigar, resolveu começar pela que ficava mais próxima à caixa registradora. Puxou-a, mas ela estava trancada, testou as demais e elas também estavam trancadas. Teria de procurar algum objeto duro o suficiente para bater nas gavetas e abri-las. Achou que no balcão da cafeteria poderia ter alguma coisa útil. Dessa vez seus passos foram mais tranquilos, até mesmo arriscou assobiar uma música dos Beatles. Logo acho um objeto que sem dúvida alguma iria servir, um taco de baseball caído no chão perto da mesa onde ficava a cafeteira. O taco era de metal, percebeu ao tocá-lo e sentir o frio retido nele. Talvez algum dos responsáveis pelo atendimento na parte de cafeteria era fã de baseball ou algum cliente ocasional pode ter esquecido em cima de uma mesa, quantas vezes ele mesmo quase esquecera coisas suas por ai? A leitura constantemente o jogava em outros mundos, muito mais interessantes do que o seu próprio, e qual a importância, por exemplo, de um MP3 quase esquecido quando havia criaturas a serem enfrentadas, mistérios a serem solucionado e muitas coisas que o conduziam à uma felicidade maior do que a sua vida demonstrava ser capaz de produzir? Dane-se o MP3! Com os taco em mãos retornou aos fundos e posicionou-se em frente à primeira gaveta, levantou o taco e gritou com toda a força de seus pulmões:
Home Run!
Lascas de madeira voaram, a adrenalina no sangue era deliciosa, talvez devesse fazer isso mais vezes. A gaveta caiu no chão com a força do golpe, espalhando todo o seu conteúdo. Com o taco ainda na mão direita agachou-se e passou a averiguar quais os tesouros que estavam aos seus pés. Papéis de estoque da livraria, bilhetes com recados, uma calculadora, um óculos, um relógio e uma caixinha de jóias. Largou o taco e pegou a caixinha com as duas mãos, abriu e no meio de alguns pares de brincos, anéis e pulseiras havia uma chave prateada. Pegou a chave e dispensou a caixa e o que nela estava guardado como quem dispensa um chiclete mascado por minutos e já sem qualquer vestígio do doce sabor do inicio. O conteúdo inteiro se esparramou pelo chão, misturando-se aos papéis que já estavam por lá. A chave não tinha singularidades, somente parecia emanar algum encantamento que permeia objetos antigos que ao nosso toque nos remetem aos seguintes questionamentos: Quem fez isso? Por onde ela passou? O que aconteceu com a última pessoa que esteve com ela? Era um ritual que consistia em tentar adivinhar toda a história dessa chave utilizando o toque como um condutor. Passado esta etapa do ritual voltou-se para a porta e com a chave na mão esquerda chegou ainda mais perto da porta do “Senhor Fim”. Olhou ao redor para ter certeza de que não era observado ou filmado, pois pensava que de repente alguém poderia aparecer e acusá-lo de estar tentando roubar o estabelecimento. Ninguém apareceu e o estabelecimento sequer tinha câmeras de vigilância. Introduziu a chave na fechadura, sentiu que seu corpo se arrepiou todo, deu o primeiro giro, seu coração começou a acelerar e parecia que sua garganta secou de um segundo para o outro, deu o segundo giro, sua respiração ficou mais difícil como se estivesse no ponto mais alto da terra, deu o terceiro giro, seu corpo parecia estar ficando mais leve, sua pele etérea, deu o quarto giro, agora seu corpo parecia pesar pelo menos umas 20 toneladas, sua respiração ficou acelerada, como a de um viciado em abstinência, seu coração começou a bater tão lentamente que o fez duvidar se ainda estava vivo e a respiração rápida não era alguma atitude adotada para dissimular a própria morte. Um clic foi produzido e uma fresta de luz saiu da porta. Depois de reunir a quantidade de coragem suficiente para ver o que estava lá escancarou a porta e viu que era um enorme corredor pintado de preto com um sistema de iluminação igual ao de minas de carvão. Um enorme cabo preto estava pendurado na parede do lado esquerdo e a cada 2 metros tinha uma lâmpada.
Tem alguém ai? – disse hesitante, sem saber se realmente queria ou não escutar uma resposta.
Olhou para o chão e viu os azulejos vermelhos ao longo dele, eram de um vermelho sangue. Ao cruzar a soleira da porta ela se fechou atrás de si e ele foi lançado ao chão por um forte vento. Por um reflexo felino colocou as mãos à frente, impedindo que seu rosto batesse com toda a força da queda no chão, muito provavelmente quebrando seu nariz. Antes mesmo de se levantar olhou para a direção da porta por onde entrou para confirmar o que seus ouvidos escutaram realmente a porta estava fechada, mas abri-la não seria problema alguma já que já estava destrancada.
Merda de vento! Quase bato com meu rosto no chão! – disse extremamente irritado.
Pôs a mão direita sobre a porta e tentou girar a maçaneta, mas ela não se deslocou ao menos um centímetro. Segurou com ambas as mãos e não surtiu efeito. Distanciou-se dois metros, veio correndo e bateu com o ombro direito contra a porta e ainda assim nada, só conseguiu mesmo foi ficar com uma dor no ombro e uma raiva ainda maior. Agora lembrou-se da chave, mas onde estava a chave?
Onde ela está? Podia jurar que a trouxe comigo – vasculhou os seus bolsos da calça, olhou o chão próximo de onde caiu, deitou-se perto da porta para olhar pela fresta debaixo da porta, mas nem sinal daquela maldita chave.
Já que estava preso nesse corredor resolveu segui-lo e ver onde acabava. Andou pelo que pareceu ser horas, mas não tinha como confirmar isso porque seu relógio tinha parado e somente agora notou. O comprimento anormal do corredor não parecia perturbá-lo, não em face de todo o resto. Sua jornada se revelou útil, no final do corredor havia uma porta de madeira com uma maçaneta já enferrujada. Instantaneamente abriu a porta que dava para um aposento escuro onde o único foco de luz era um abajur sobre uma mesa há 6 metros da soleira da porta, de costas para a entrada tinha uma daquelas cadeiras de escritório com rodinha nos pés e na cadeira estava alguém concentrado em uma tarefa, deduziu isso porque a pessoa nem ao menos fez algum gesto que indicasse que percebeu a entrada de um desconhecido.
Ah, finalmente vejo alguém! Olá, senhor, você poderia me ajudar? – disse com um sorriso de orelha a orelha agora, não que costumasse ser simpático com desconhecidos, mas por causa do alivio gerado por ver que não era o único por ai.
Ah, Diogo...você não deveria estar aqui agora! Houve um erro em algum ponto, mas será corrigido! – disse irritado, mas controladamente a pessoa que não era iluminada pela luz.
Como você sabe meu nome? Quem é você?! – disse com um olhar de espanto.
Ah, isso nem deveria estar acontecendo. Você está querendo sair do controle, mas eu não irei permitir. Não serei como muitos outros – um clarão então cegou Diogo que sentiu como se sua carne fosse rasgada e depois juntada novamente.
Ahhhhhhhhhhh – gritou Diogo que estava com o rosto completamente suado e sentiu uma dor indescritível.
O que foi que te acontece? – ouviu uma voz feminina perguntar.
Olhou ao redor e viu que estava no ônibus e que agora ele estava parado, todos os passageiros tinham se aproximado da catraca para poderem testemunhar o que estava acontecendo com o jovem que do nada começou a gritar.
Estou bem, estou bem – declarou ainda atordoado.
Olha, chegamos no ponto em que você disse que queria descer. Vai descer mesmo?
Sim, vou. Obrigado por ter me avisado – foi saindo, mas ainda teve tempo de ouvir comentários das pessoas se indagando se ele era louco, usuário de droga ou numa pior possibilidade os dois ao mesmo tempo.
Desceu do ônibus e ali estava novamente a livraria, mas com várias pessoas lá dentro e a cidade estava normal, com seu fluxo constante e interminável de pessoas e veículos. A típica respiração urbana.
CONTINUA...

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