Autor: Ednelson Jr.
Capítulo IV
Um
sonho ou pesadelo? Um delírio ou um pensamento sobre alguma história que havido
lido e alçou um voo de grande altura? O que exatamente tinha sido aquilo? Seria
uma revelação do que se camufla na trama da sua vida? Não sabia responder
quaisquer destas indagações, inclusive aquilo que quiçá teria o poder para
desvendar as demais: O que era o ‘Senhor
Fim’? E levando em conta que o ‘Senhor
Fim’ poderia não ser fruto de um devaneio engendrado pelo tédio da viagem
em um coletivo, onde ele estava nessa hora e o que estaria fazendo? Talvez
ainda estivesse sob a luz do abajur, cercado pela escuridão fria e que pareceu
representar todos os anseios incompletos, empenhado em alguma tarefa tão
importante que um simples virar de cabeça para falar era completamente
inviável. Concluiu que o melhor a ser feito era ir continuando com o que havia
planejado para o sábado, provavelmente ainda o encontraria.
A
entrada da livraria estava bastante movimentada, muitas pessoas entravam e
saiam ao mesmo tempo, algumas com livros nos braços ou em sacolas e outras
saiam sem nada, mas com conversas muito animadas acerca dos mais variados
temas, essa última categoria de pessoas que cruzava a soleira da porta deviam
ter sido atraídas pela oferta de um bom café em um ambiente que permitia uma
classe de degustação para a mente também. Depois de limpar o solado dos tênis
no tapete persa, foi até o balcão de vendas de livros e neste dia em particular
uma mulher com cerca de 1,65 m de altura, cabelos ruivos presos em um coque
atrás da cabeça, uma simples medida tomada para lhe dar um aspecto sério, pele
branca com algumas sardas, que teimavam em aparecer mesmo depois de minutos
gastos colocando maquiagem. A idade dela, chutou Diogo, deve ser por volta de
28, os olhos verdes dela pareciam transmitir essa mensagem. Ao ficar
praticamente colado ao balcão a atendente bem apessoada quebrou sua aparência
rígida.
—
Bom dia. Posso ajudá-lo em algo? – falou com um sorriso belíssimo que seria
capaz de quebrar a armadura de qualquer pessoa rude ou que não estivesse num
momento propicio para interações sociais.
—
Sim, eu queria ajuda – por um lampejo considerou completar sua confirmação de
necessidade de ajuda com ‘Essa porta
atrás de você leva até um homem que fica em uma sala iluminada somente por um
abajur?’, mas na porta estava uma placa que avisava com letras garrafais
vermelhas ‘Somente pessoal autorizado’.
—
Em que posso ajudá-lo? – disse a ruiva para despertar o jovem que entrou num
estado de hipnose olhando para a porta que levava ao estoque.
—
Errrr – começou um pouco hesitante do que poderia acabar revelando
involuntariamente em suas palavras – Me desculpe, estava pensando em uma coisa
que me aconteceu – ainda bem que sua língua decidiu se manter presa na boca e
evitar de levar o resto do corpo para um hospital psiquiátrico – Eu queria
saber se chegou algum lançamento na sessão de terror – terminou um pouco
tímido.
—
Sim, hoje quando nós abrimos a livraria foram entregues alguns exemplares e dentre
eles alguns livros de terror – enquanto estava falando agilmente fez uma
pesquisa no computador à sua frente e complementou: - Chegou o livro de um
escritor novo chamado Emerson Joaquim Ricardo e Samir Juarez. Nome muito longo,
né? – fez a observação em meio a uma leve risada – Ouvi boas recomendações
deste livro. Uma amiga conseguiu uma cópia autografada das mãos do próprio no
evento de lançamento, foi um evento muito restrito e ela só conseguiu entrar
porque namora um dos seguranças que estava trabalhando lá.
—
Amiga de sorte a sua. Acho que vou seguir a recomendação dela. Muito obrigado
pela ajuda.
—
Por nada, disponha sempre – mais uma vez o sorriso digno de uma sereia
formou-se em sua face, colocou a mão direita sobre o balcão e com um gesto
discreto usou a outra para arrumar uma mecha de cabelo que teimava em cobrir
sua orelha esquerda e depois começou a atender outro cliente quando Diogo já
estava perto da sessão de terror, localizada à direita do balcão. Enquanto
procurava na estante o livro desse novo escritor pensou
consigo: Será que aqueles risos
curtos e tímidos, o olhar que era levemente, quase de maneira imperceptível,
desviado dos meus olhos quando eu a encarava, a clássica ajeitada do cabelo
exibindo o pescoço, um rito de sedução moderno, e a exibição voluntária de
ambas as mãos, talvez para mostrar a ausência de aliança, seriam de sinais de
que ela estava flertando? Poderiam até serem, mas agora era tarde demais.
Depois
de menos de um minuto de busca achou apenas um livro desse tal Emerson Juarez e
um espaço vago que poderia ser preenchido com mais quatro cópias desse livro,
pelo visto o livro realmente era bom ou está com um preço tão camarada que
resistir a leva-lo era tão difícil quando as mulheres da alta sociedade
resistirem a comprar numa loja que estivesse fazendo promoção de casacos de
pele. Com o livro, que com uma análise somente visual sem abri-lo parecia
possuir pouco mais de 500 páginas, em mãos, direcionou-se para a mesa mais
próxima, que inclusive era a única vazia, as demais estavam lotadas. Decidiu
abrir o livro numa página aleatória, era um ritual que mantinha há anos já, e
ler a primeira frase que soltasse aos seus olhos. Abriu o livro na página 190 e
a frase que imediatamente capturou sua atenção foi:
Um presente para você!
Ao
olhar para frente grande foi a surpresa ao perceber que em uma das cadeiras da
mesa desocupada estava agora uma garota de aproximadamente 19 anos, trajando
uma camiseta preta, com uma saia de cor vermelha, um tênis all star da mesma
cor e usando nas pernas meia-arrastão. Os cabelos dela eram negros como a noite
mais densa e iam até a sua cintura, sua pele alva como a neve da mais pura
água, seus lábios pareciam melados de sangue espesso, seus olhos eram de azuis
tão acolhedoras que ao contrário de Circe não precisaria transformar os homens
em porcos para que eles agissem como tal, somente mergulhar naqueles mares
glaciais já os fariam obedecerem qualquer ordem! Entorpecido por colossal
beleza deixou o livro cair e mesmo quando se abaixou para pegá-lo não desviou o
olhar, não temia sequer que a garota o notasse devorando-a com as pupilas.
Chegou perto da mesa, mas ainda assim não iria dizer e ao perceber que ela
estava lendo algo decidiu que iria tentar reconhecer um pouco mais o terreno
antes de abordá-la. Os sussurros que ela produzia eram a leitura de um trecho
do poema “Do Amor” de Khalil Gibran:
Quando o amor vos fizer sinal, segui-o; ainda que os seus caminhos sejam duros e difíceis. E quando as suas asas vos envolverem, entregai-vos; ainda que a espada escondida na sua plumagem vos possa ferir [...]
Ainda um pouco anestesiado pela beleza que estava sussurrando um poema
perguntou:
— Bom dia, me desculpe interromper sua leitura, mas eu posso me sentar
nessa mesa com você? – seu rosto deixava transparecer um aspecto meio bobo.
— Sim, pode – falou sem pensar.
— Bom livro esse que está lendo. O profeta – pronto, estava tentando
estabelecer um vínculo. Agora ela precisava morder as palavras.
— Uhum, eu o adoro. Meu favorito – largou o livro em cima da mesa e com
uma expressão de quem tenta a todo custo lembrar-se de algo importantíssimo
cerrou os olhos e falou: - Acho que o conheço de algum lugar, só não me lembro
de onde, seu nome é...Den...Don...Do...não, agora sei, é Diogo! – falou com o
ânimo parecido com o de alguém que recebe a noticia de que acabou de ganhar uma
viagem com tudo pago pela Europa.
— Como você sabe meu nome? – questionou educadamente, mas intimamente
muito intrigado e até mesmo nervoso.
— Não sei, ele me veio à mente agora. Como se alguém tivesse me soprado.
Estranho, concorda?
— Sim, um pouco, mas quando a estranheza está em todo canto ser normal é
o que é definido como fora do comum.
Mas intimamente pensou:
Quem é essa garota?
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