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O gesto universal


Fonte: Cultura RJ

Difícil imaginar a figura de Charles Chaplin sem o clássico chapéu-coco, o bigode sem pontas e a bengala que fazia parte de seus números. Mas um ídolo não nasce pronto. E é justamente a criação do mito do cinema mudo que inicia a exposição Chaplin e a sua imagem, de 7 de março a 29 de abril em cartaz no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, na Praça Tiradentes.

O nome entrega que a proposta da mostra vai além de uma mera retrospectiva. Não se trata de um apanhado de filmes ou de um retrato biográfico. “Queremos mostrar como ele construiu uma imagem pública e também um personagem. Quais foram as decisões para que isso fosse possível”, adianta Paulo Miyada, coordenador do núcleo de pesquisa e curadoria do Instituto Tomie Ohtake, que hospedou a mostra em São Paulo e que, agora, assina a organização da exposição no Rio.

São mais de 200 fotografias de produção (stills) e feitas em estúdios de filmagens, vídeos, documentos e gravuras do acervo da família Chaplin e de demais instituições. A curadoria é do francês Sam Stourdzé, diretor do Musée de l’Elysée, em Lausanne, Suíça. Paulo conta como o projeto atravessou o Atlântico: “O Sam tinha esse projeto de itinerância e, quando ele conheceu o Ricardo Ohtake (diretor do Instituto), firmaram a parceira. O interessante para nós é o fato de ser uma exposição sobre cinema que não só reúne filmes, mas levanta outros documentos da história de Chaplin e de sua época”.

Os inúmeros suportes comprovam a abrangência da exposição. Para o coordenador, o grande diferencial do projeto é que ele vai além de Chaplin, e busca entender um modo de viver dos tais tempos modernos. Uma das obras expostas, por exemplo, é um fragmento de quase um minuto do Ballet mécanique (1924), do artista cubista Fernand Léger  - um marco no cinema avant-garde, que faz menção a Charles Chaplin nas imagens. “No âmbito acadêmico, quase todos os pensadores da modernidade falaram sobre o Chaplin. Ele era crítico tanto com a sociedade quanto com o cinema. E isso garantiu o reconhecimento de artistas e pensadores”, defende Paulo Miyada.

Quatro atos

Para cobrir os diferentes caminhos da trajetória do mais adorado vagabundo, a mostra a se dividide em quatro partes. A Criação de Carlitos é a primeira delas: “Começamos com essa experimentação, a descoberta dele do que funcionava ou não. No começo, o personagem era trapaceiro, golpista. Depois, continuou vagabundo, só que sensível, frágil e preocupado com os outros. É muito especial ver estes conflitos que surgiram antes dele se tornar o Carlitos que conhecemos”, celebra Paulo.

A seção o Álbum de Keystone, em homenagem ao primeiro estúdio em que Chaplin trabalhou, reúne uma série de fotogramas acompanhados por textos manuscritos que remetem às histórias dos primeiros 35 curtas em que Chaplin atuou, em 1914. Sete anos antes de O Garoto, considerado o seu primeiro grande sucesso.

A segunda parte, Chaplin como Cineasta, mostra o perfeccionismo por trás da figura de Carlitos. Paulo Miyada destrincha: “Ele se preocupava em fazer um cinema fora do padrão, um cinema integral, em que se envolvia com tudo: da fotografia à trilha sonora. Já naquela época, ele discordava do jeito de Hollywood fazer filmes. Foi por isso que criou até uma produtora própria”. Na mostra, o filme How to make movies, de 1918, esclarece um pouco dos bastidores dos Estúdios de Chaplin.

Em seguida, Da fama ao exílio, mostra a fase áurea do artista, mas vivida também em conflito com seu engajamento político. O momento de consagração é retratado, inclusive, por um espaço dedicado a cartazes de suas obras. Mas, em 1952, uma guinada interrompe um pouco a fase dourada. Chaplin se muda para a Suíça, acusado de simpatizar com a corrente comunista. O todo poderoso do FBI, J. Edgar Hoover - atualmente retratado em filme por Leonardo DiCaprio -,  foi um dos responsáveis pelo exílio.

Chaplin e Gandhi
A transição para o cinema falado encerra a mostra. O assunto - que ganhou novamente projeção com a vitória do Oscar pelo longa francês O artista, mudo e em preto e branco - foi um dos grandes desafios enfrentados por Chaplin.  “Ele costumava dizer que os filmes sem palavras eram universais. O gesto pode ser entendido pelo francês, pelo japonês, por qualquer um. Em determinada fase, ele briga com o cinema falado. Existe uma série de filmes em que ele parece que vai dizer alguma coisa, mas sempre acontece algo que interrompe a fala. Mas foi mesmo, em O Grande Ditador, às vesperas do clímax da Segunda Guerra Mundial, que ele ganhou voz. E fez isso de forma linda, com o discurso de paz que encerra a obra”, relembra Paulo.

No segmento Fala Chaplin, morre Carlitos, há ainda um making of em cores feito na década de 30 pelo irmão de Chaplin, Sydney, durante as filmagens de O Grande Ditador. Filmes caseiros em cores, produzidos em 8mm, onde se vê um Chaplin já grisalho, cercado por seus filhos e reencenando as peripécias que o tornaram famoso, também estão no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica.

Diante de toda a abrangência da mostra, Paulo Miyada resiste, mas consegue escolher um pedaço especial da exposição: "Tem uma projeção que reúne uma série de imagens dele correndo em filmes diferentes, outra série dele caindo, outra dele brincando... Parece o trabalho de um coreógrafo. Em Tempos Modernos, ele não faz nenhuma crítica objetiva, mas transforma os gestos maquinais em dança. Vaslav Nijinsky (famoso bailarino russo), certa vez, visitou Chaplin no estúdio e saiu de lá dizendo que ele não era um palhaço, mas um bailarino".

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