Fonte: Estadão
O BRASIL SE QUER MESTIÇO
NÃO SOMOS RACISTAS
A ETERNA QUESTÃO REGIONAL
"No Brasil a desigualdade é essencialmente socioeconômica - e é terrível . Não é racial. A maioria dos pretos e pardos do País está no Norte e no Nordeste, as regiões mais pobres, enquanto a maioria dos que se declaram brancos está no Sul e no Sudeste, as regiões mais ricas. A partir disso algum perturbado poderia sugerir a criação de cotas para nordestinos. Os filhos de Tasso Jereissati, Ciro Gomes e José Sarney adorariam, porque as cotas sempre favorecem a nata do grupo privilegiado por elas. Eu não estou dizendo que não haja maior incidência de pobreza entre pretos e pardos. Há, mas em função do que ocorreu no fim da escravidão - quando os descendentes de escravos, por falta de ensino público abrangente e por falta de reforma agrária, não foram incluídos na sociedade que se modernizava - e não em função do racismo atual.
DISCRIMINAÇÃO REVERSA
Cinco anos atrás, ao matricular sua filha em um colégio paulistano, o
sociólogo e colunista do Estado Demétrio Magnoli se deparou com uma
"aberração". Por orientação do Ministério da Educação, o formulário
trazia um campo pedindo a raça do aluno. Magnoli tascou um "humana" na
ficha e voltou para casa decidido a escrever Uma Gota de Sangue - História do Pensamento Racial (Editora Contexto, 400 págs., R$ 49,90), que chega às livrarias na quarta-feira, 2.
Libelo contra o que o autor chama de mito das raças - a necessidade
de diferenciar seres humanos por sua ancestralidade, por uma única gota
de sangue -, o livro mergulha fundo nas origens do racismo e seus
desdobramentos nos tempos atuais. "Raças não existem. O que existe é o
mito da raça, uma invenção recente, nascida há 150 anos junto com a
expansão das potências europeias na África e na Ásia e usada para
conquistar poder político e econômico", diz Magnoli.
Uma Gota de Sangue mostra como essa invenção teria sido
desinventada no pós-guerra e reinventada pelos movimentos
multiculturalistas de 30 anos mais tarde, culminando em um tema caro a
Magnoli: a crítica ao sistema de cotas raciais adotadas em universidades
públicas brasileiras. Para ele, uma política de Estado que "cria uma
clientela eleitoral" e "instala o ódio racial no meio da classe média
baixa trabalhadora".
O autor sustenta ainda um polêmico paradoxo: o de que os defensores
de leis raciais de hoje resgatam o discurso que ontem ajudou a
justificar a segregação entre brancos e negros. "Para os
multiculturalistas, a igualdade é uma falsificação, pois não existe no
mundo real; no mundo verdadeiro as pessoas não são iguais, dizem. Por
isso eles querem abolir a igualdade, preferem a diferença. É um
pensamento do século 19", afirma. "Mas raça e igualdade são palavras de
mundos distintos. Igualdade é democracia. Raça é diferença. Ou existe
igualdade, ou existe raça." A seguir, os principais trechos da
entrevista de Magnoli ao Aliás.
A INVENÇÃO DA RAÇA
"O conceito contemporâneo de raça como famílias humanas separadas
pela ancestralidade que mantêm relações hierárquicas entre si surgiu e
se consolidou no quadro do evolucionismo darwinista da segunda metade do
século 19. A ciência oficial criou a raça. Esse período coincidiu, e
não por acaso, com o imperialismo europeu na África e na Ásia.
Muitos imaginam que o conceito de raça surgiu com a escravidão
moderna. É falso. A ideia de raça não veio para explicar ou justificar a
escravidão e sim para explicar e justificar o imperialismo europeu, que
vinha na esteira do iluminismo e da ideia de igualdade natural entre os
seres humanos. Isso tinha consequências explosivas. Como dominar uma
nação se todos são iguais? Não pode haver dominação. Então precisaram de
algo que relativizasse a igualdade, que, afinal, ‘é um bom princípio,
mas a ciência nos mostra que ele é falso, pois na verdade não existem
pessoas iguais’.
Curioso notar que só nas sociedades fundadas sobre a ideia de
igualdade se torna necessário invocar o mito da raça. As sociedades
fundada sobre a diferença, como todas até o iluminismo, não precisam
dele. O ‘racismo científico’ se fez necessário para justificar um dos
grandes processos do mundo contemporâneo, o da expansão do poder
econômico das grandes nações europeias.
DESINVENÇÃO E REINVENÇÃO
"O conceito de raça foi desinventado no final da 2ª Guerra como
reação ao nazismo, ao Holocausto, aos campos de extermínio. O mundo
olhou para trás e disse: ‘Essa ideia de que a humanidade está dividida
em raças produz sangue em grande escala, não aceitamos mais isso’. A
raça então foi desconstruída, combatida nas grandes declarações sobre
direitos humanos, algo a ser abolido das sociedades democráticas. Mas 20
ou 30 anos depois ela foi reiventada pelo multiculturalismo e suas
políticas descritas como ações afirmativas. Essas políticas voltaram,
agora sob a alegação de fazer o bem, às ideias raciais do século 19. No
momento em que a genética decifra o DNA e afirma que a raça não existe,
que a cor da pele é uma adaptação superficial a diferentes níveis de
insolação, e que é controlada por 10 dos 25 mil genes do ser humano, a
raça reaparece pelo viés cultural, como algo essencial e imutável de um
povo, como gene novamente. A Bolívia, por exemplo, está se reinventando
com base num conceito racial, está se tornando um país polarizado entre
ameríndios e brancos. No Brasil essa proposta está codificada como
Estatuto da Igualdade Racial - uma frase inviável. Raça e igualdade são
palavras de universos distintos. Igualdade é democracia. Raça é
diferença. Ou existe igualdade ou existe raça. O perigo do
multiculturalismo é que ele quer eliminar o mestiço. Os
multiculturalistas dizem que ‘esse negócio de igualdade é uma
falsificação, pois não existe no mundo real; no mundo verdadeiro as
pessoas não são iguais’. Eles querem abolir a igualdade, preferem a
diferença. Um pensamento do século 19.
A REVIRAVOLTA OBAMA
"Nos anos 60, o que Martin Luther King fez o tempo todo foi pedir que
os Estados Unidos respeitassem o princípio da igualdade previsto na
Constituição americana, ou seja, ele pretendia abolir o conceito de raça
da política. Barack Obama foi mais longe ao se definir como mestiço.
Foi uma afirmação revolucionária, porque a mestiçagem não existe no
censo e nas leis americanas. Lá, ou você é branco ou é negro, pois para
se fazer leis raciais elimina-se a mestiçagem, definindo claramente a
raça de cada um. E a mestiçagem é a indefinição, a não-raça. Então,
quando Obama diz que é mestiço, filho de mãe branca e pai negro, ele dá
um passo além de Luther King. Não se trata só de eliminar a raça da
política, mas também da consciência das pessoas.
O BRASIL SE QUER MESTIÇO
"No Brasil, os racialistas propõem que as estatísticas demográficas
tomem pardos e pretos como negros. Eles precisam transformar o quadro
intermediário, cheio de tons indefinidos, em algo mais simples, com duas
cores, para sustentar o mito da raça. Só que 42% dos brasileiros se
dizem pardos, ou seja, não se classificam em raças. Vão dizer que se
declarar pardo é uma proteção contra a discriminação racial, que é pior
com os negros. Mas comparando os censos de 1940 e 2000 vemos que a
proporção de brasileiros que se declaram pretos se reduz e a dos que se
declaram brancos também. Dizer que o número de pardos aumenta porque as
pessoas querem ‘embranquecer’ para fugir do preconceito é um argumento
de quem lê as estatísticas só até a metade. O Brasil caminha para um
momento em que 90% da população vai se dizer parda. E esse é o grande
problema para lideranças do movimento negro que defendem as leis
raciais. Não se faz lei racial num país em que as pessoas não definem
sua raça.
NÃO SOMOS RACISTAS
"Há racismo no Brasil. O que não há é um conceito popular de que
estamos separados por raças, como nos EUA. Assim, não somos racistas no
sentido de a maioria dos brasileiros não interpretar o Brasil pelo
prisma da raça; e também no sentido de o Estado brasileiro não ter feito
leis raciais ao longo da história. Não somos racistas, embora existam
racistas no Brasil. O racismo aparece na operação ilegal de certas
instituições, claramente a parte da polícia que ainda prefere parar o
jovem negro a parar um jovem branco. Mas o fato é que o racismo no
Brasil está sempre ligado à questão socioeconômica. A violência policial
baseada no preconceito racial é muito clara nas periferias e favelas.
Pessoas que não têm pele branca, mas vivem em bairros de classe média,
estão menos sujeitas a uma abordagem racista da polícia. Cada vez que o
racismo se manifesta aqui é um escândalo, o que mostra o caráter
antirracista da nação. Isso é uma vantagem, mas os defensores de leis
raciais acham o contrário. Dizem que é melhor um racismo explícito à la
americana do que o racismo envergonhado à la brasileira. O racismo
explícito ajuda a definir interesses de raças - necessários aos que se
dizem líderes raciais.
A ETERNA QUESTÃO REGIONAL
"No Brasil a desigualdade é essencialmente socioeconômica - e é terrível . Não é racial. A maioria dos pretos e pardos do País está no Norte e no Nordeste, as regiões mais pobres, enquanto a maioria dos que se declaram brancos está no Sul e no Sudeste, as regiões mais ricas. A partir disso algum perturbado poderia sugerir a criação de cotas para nordestinos. Os filhos de Tasso Jereissati, Ciro Gomes e José Sarney adorariam, porque as cotas sempre favorecem a nata do grupo privilegiado por elas. Eu não estou dizendo que não haja maior incidência de pobreza entre pretos e pardos. Há, mas em função do que ocorreu no fim da escravidão - quando os descendentes de escravos, por falta de ensino público abrangente e por falta de reforma agrária, não foram incluídos na sociedade que se modernizava - e não em função do racismo atual.
DISCRIMINAÇÃO REVERSA
"As cotas raciais não são um meio válido para corrigir diferenças
socioeconômicas porque nunca reduziram pobreza em lugar nenhum onde
foram implantadas. Elas beneficiam a nata do grupo privilegiado. A cota
racial para ingresso em universidades públicas não está tirando vaga dos
ricos, dos filhos de empresários. Esses, ou fizeram colégios e
cursinhos tão bons que conseguirão passar no vestibular mesmo com um
número de vagas menor em disputa ou cursarão universidade no exterior. O
que a cota faz é instalar uma competição dentro da classe média baixa,
uma competição racial dentro de um grupo social que veio do ensino
público, entre os filhos de trabalhadores da classe média baixa. São
aqueles que terminam o ensino médio. Não sejamos demagogos: vamos tirar
os miseráveis dessa história, porque eles não terminarão o ensino médio,
eles não serão beneficiados pelas cotas. Então, quem acaba beneficiado é
o jovem de classe média baixa da cor ‘certa’ em detrimento do jovem de
classe média baixa da cor ‘errada’. É a discriminação reversa.
À CAÇA DE VOTOS E PODER
"Os racialistas dizem estar fazendo justiça social por meio do
sistema de cotas. É falso. O que as leis raciais visam é criar zonas de
influência política e eleitoral. Isso acontece no Brasil, cada vez mais
na Bolívia e em outros lugares onde falar em nome de uma etnia ou raça é
desenvolver uma clientela política, é dizer ‘votem em mim porque eu
defenderei os interesses desse grupo que eu acabei de definir’. A função
é produzir lideranças políticas, carreiras política, poder político.
Você não precisa falar para a sociedade como um todo, explicando que vai
defender os interesses gerais dos cidadãos e assim competir com um
monte de gente que diz a mesma coisa.
FRONTEIRA NO ÔNIBUS
"Ações afirmativas socioeconômicas, como cotas sociais e políticas de
melhoria rápida e dramática das escolas públicas nas periferias,
ajudariam mais os pobres a ingressar no ensino superior. Fazer isso por
meio de ações afirmativas raciais leva o aluno branco a olhar para o
lado e pensar: ‘Este é quem não tinha o direito de estar aqui, mas está
porque tem a cor que agora virou "certa"; e eu estou separado dele não
só pela cor da pele, mas pelas leis deste país, que o colocam num grupo
com certos privilégios; ele está aqui porque alguém da minha cor de
pele, mas com a mesma renda dele, não está’. Esse é um grande risco:
cotas raciais traçam uma fronteira dentro dos ônibus, dentro dos bairros
periféricos, no meio do povo, porque vizinhos de bairro e colegas de
trabalho com a mesma renda vão se olhar e entender que estão separados
pela cor da pele. Isso é instalar no meio do povo o ódio racial."
Penso que o ser humano n tem raça. Alguns tem aparência um pouco diferente, mas é apenas isso.
ResponderExcluirPriscilla, perdoe pela demora absurda em responder, mas perdi o controle de alguns posts (tudo resolvido agora).
ExcluirÉ muita mesquinharia achar-se superior se, no final, estamos todos presos em uma mesma realidade, um mesmo planeta e, mais ainda, condenados ao mesmo fim: a morte.
Já que alguns se acham tão superiores e importantes, driblem a morte e continuem seu caminho após os que tanto odeiam e temem. Caso consigam fazer isso, talvez estejam quase comprovando sua superioridade... quase.