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Como é feita a restauração de obras literárias: o processo que restaura livros danificados

Por Luma Pereira 

Eles ficam nas estantes das bibliotecas, livrarias e escritórios. Sujeitos à ação do tempo e do ambiente, os livros podem se deteriorar e precisar de reparos. Mas a restauração das obras literárias deve ser feita apenas em último caso.
 
“Antes, existe a preservação – não comer em cima do livro e manuseá-lo com cuidado – e a conservação – armazenamento e conserto de pequenos rasgos. Só depois o restauro”, afirma Andrea Bella, profissional do Núcleo de Conservação e Restauro Edson Motta (NUCLEM), pertencente ao Senai.
 
O Núcleo foi fundado por Guita Mindlin e Tereza Brandão Teixeira, na década de 1980, em parceria com o Senai. Trabalham com documentos, livros e obras de arte – tudo o que é feito sobre o papel.
 
“A restauração só é feita mediante diversos testes”, afirma Andrea. O material de que a obra é feita tem de ser estudado, “é isso que vai nos nortear para desenvolver o melhor tratamento – olhar com calma o estado geral”, explica.
 
Mas se não há outro jeito e o livro está prestes a rasgar e/ou desmontar, é preciso levá-lo aos cuidados de técnicos especialistas em restauração. Principalmente se é uma relíquia e tem valor afetivo para o dono.
 
É importante mencionar que o reparo não faz com que os livros fiquem como se tivessem acabado de sair da loja. A ética dos restauradores é respeitar a história de vida das obras, o interesse não é que pareçam novas, mas que vivam um pouco mais.
 
“Deixamos ela o mais próximo do que foi o original, mas nunca chegamos a isso”, diz a profissional. E completa: “o ideal é que as pessoas percebam a nossa intervenção e o que foi feito com o livro”.

“Todos acham que vamos resolver todos os problemas da obra e fazer com que ela fique até com cheiro de nova. Mas não é isso o que acontece: temos de respeitar as características do livro e fazer o possível para que ele dure mais tempo”, conta Andrea. 
 
Procedimentos
 
primeira etapa do processo é fazer uma ficha de identificação, com nome do proprietário, título do livro e autor. Além disso, anotar que tipo de material é aquele. “Verificar o que é característica física e o que é um problema”, afirma Andrea.
 
É feito também um registro fotográfico de como a obra chegou ao laboratório e dos procedimentos empregados – para ter em imagens o antes e o depois, e documentar isso.
 
Outra etapa feita é a higienização de folha a folha. “Passo a trincha [pincel largo] de dentro para fora, percorrendo cada página. Para tirar toda a sujidade”, descreve.
 
Depois disso, as próximas fases vão depender da necessidade do livro. “Cada obra é uma obra – tem diferentes etapas de tratamentos”, reforça Andrea.
 
Caso o livro tenha rasgos, ele é reparado por meio da conservação, feita com papel japonês. “Tem boa resistência e é fino, então conseguimos fazer a consolidação do rasgo sem prejudicar a leitura”, diz. Isso utilizando a cola de amido, de boa adesividade.
 
Quando o problema está na estrutura, são necessários processos de restauro mais demorados e trabalhosos. É um problema também quando as pessoas colam durex em alguma página, pois a cola dele penetra no papel, causando manchas de difícil remoção.
 
Os materiais utilizados na restauração também são bastante selecionados. “Sempre utilizamos produtos que possam ser removidos e tenham pH neutro, não contendo ácidos”, esclarece a profissional. “Materiais que podem ser utilizados e não vão afetar a obra posteriormente. Porque, afinal de contas, estamos tentando mantê-la por mais tempo”, completa.
 
A tecnologia empregada muda constantemente. “No Brasil, a área carece de investimentos, e muitas pessoas desconhecem o nosso trabalho”, diz. Então, muitas vezes, fica difícil conseguir determinados materiais e tecnologias.
 
O tempo e os custos da restauração dependem do estado de preservação e conservação. “Existe uma Bíblia do século XVIII que foi restaurada no laboratório, e levamos cerca de três anos para terminar o trabalho”, conta Andrea.
 
Quem contrata esse serviço? “Instituições e museus que têm um acervo muito grande. Ou, às vezes, particulares. Mas temos muita parceria com museus da cidade”, afirma a profissional.
 
Passo a passo, folha a folha
 
A obra mais antiga já tratada no Núcleo do Senai foi uma Bula Papal de aproximadamente 1342, que está em exposição no Museu Histórico FMUSP – Faculdade de Medicina da USP –, feita em pergaminho e manuscrita com tinta.
 
Normalmente, os livros mais antigos que chegam apresentam problemas do próprio papel, em função da deterioração ao longo do tempo. Segundo Andrea, o laboratório também recebe obras atuais, mas o problema desses é de preservação e conservação.
 
Para ilustrar o processo, tomamos como exemplo Maria Rosa Mística (1686), do Padre Antônio Vieira, livro pertencente ao Senai para ser utilizado nas aulas de restauração que a instituição oferece – o curso tem duração de seis meses.
 
“É caso para restauro, porque tem manchas e a sujidade está grande, além de ter sido atacado por brocas”, afirma Andrea. E completa: “um livro que vai ser restaurado provavelmente terá também intervenções de conservação, como o remendo de rasgos”.
 
Primeiro, é feito o já citado processo de limpeza com a trincha, folha por folha. Em seguida, as páginas vão para o chamado “banho”, tratamento aquoso com água deionizada, para extrair outras impurezas – e a obra é posta parar secar até o dia seguinte.
 
Como a obra foi atacada por traças e brocas, e ficou com furinhos nas folhas, é preciso que ela passe pela Máquina Obturadora de Papel (MOP), que usa eletricidade e água para preencher novamente aqueles espaços vazios que ficaram – a chamada reenfibragem.
 
Quando é preciso usar química forte, como solventes, o livro é colocado na “Capela” – um local em que a alta sucção retira rapidamente os produtos e gases do ar para que o restaurador não tenha contato.
 
Os responsáveis pelo processo trabalham de avental, máscara e luvas cirúrgicas e, para manusear materiais mais fortes, usam óculos de proteção, luvas mais grossas e um sapato especial. Tudo para a maior segurança dos profissionais em restauração.
 
Por fim, o livro é reencadernado e ganha uma caixa de papel filifold, de boa resistência e que não solta tinta, evitando causar danos à obra restaurada quando em contato com ela.
 
Assim, é possível ter uma versão de Maria Rosa Mística, do século XVII, nos dias de hoje – uma edição do passado que sobreviveu ao tempo e pode continuar contando, naquelas folhas de antes, a história que ainda há em suas linhas.
 
 
 
 
 

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