Por Luma Pereira
Fonte: Saraiva Conteúdo
Eles ficam nas estantes das bibliotecas, livrarias e escritórios.
Sujeitos à ação do tempo e do ambiente, os livros podem se deteriorar e
precisar de reparos. Mas a restauração das obras literárias deve ser
feita apenas em último caso.
“Todos acham que vamos resolver todos os problemas da obra e fazer com
que ela fique até com cheiro de nova. Mas não é isso o que acontece:
temos de respeitar as características do livro e fazer o possível para
que ele dure mais tempo”, conta Andrea.
Procedimentos
A primeira etapa do processo é fazer uma ficha de identificação, com
nome do proprietário, título do livro e autor. Além disso, anotar que
tipo de material é aquele. “Verificar o que é característica física e o
que é um problema”, afirma Andrea.
Quem contrata esse serviço? “Instituições e museus que têm um acervo
muito grande. Ou, às vezes, particulares. Mas temos muita parceria com
museus da cidade”, afirma a profissional.
É feito também um registro fotográfico de como a obra chegou ao
laboratório e dos procedimentos empregados – para ter em imagens o antes
e o depois, e documentar isso.
Outra etapa feita é a higienização de folha a folha. “Passo a trincha
[pincel largo] de dentro para fora, percorrendo cada página. Para tirar
toda a sujidade”, descreve.
Depois disso, as próximas fases vão depender da necessidade do livro.
“Cada obra é uma obra – tem diferentes etapas de tratamentos”, reforça
Andrea.
Caso o livro tenha rasgos, ele é reparado por meio da conservação,
feita com papel japonês. “Tem boa resistência e é fino, então
conseguimos fazer a consolidação do rasgo sem prejudicar a leitura”,
diz. Isso utilizando a cola de amido, de boa adesividade.
Quando o problema está na estrutura, são necessários processos de
restauro mais demorados e trabalhosos. É um problema também quando as
pessoas colam durex em alguma página, pois a cola dele penetra no papel,
causando manchas de difícil remoção.
Os materiais utilizados na restauração também são bastante
selecionados. “Sempre utilizamos produtos que possam ser removidos e
tenham pH neutro, não contendo ácidos”, esclarece a profissional.
“Materiais que podem ser utilizados e não vão afetar a obra
posteriormente. Porque, afinal de contas, estamos tentando mantê-la por
mais tempo”, completa.
A tecnologia empregada muda constantemente. “No Brasil, a área carece
de investimentos, e muitas pessoas desconhecem o nosso trabalho”, diz.
Então, muitas vezes, fica difícil conseguir determinados materiais e
tecnologias.
O tempo e os custos da restauração dependem do estado de preservação e
conservação. “Existe uma Bíblia do século XVIII que foi restaurada no
laboratório, e levamos cerca de três anos para terminar o trabalho”,
conta Andrea.
Passo a passo, folha a folha
A obra mais antiga já tratada no Núcleo do Senai foi uma Bula Papal de
aproximadamente 1342, que está em exposição no Museu Histórico FMUSP –
Faculdade de Medicina da USP –, feita em pergaminho e manuscrita com
tinta.
Normalmente, os livros mais antigos que chegam apresentam problemas do
próprio papel, em função da deterioração ao longo do tempo. Segundo
Andrea, o laboratório também recebe obras atuais, mas o problema desses é
de preservação e conservação.
Para ilustrar o processo, tomamos como exemplo Maria Rosa Mística
(1686), do Padre Antônio Vieira, livro pertencente ao Senai para ser
utilizado nas aulas de restauração que a instituição oferece – o curso
tem duração de seis meses.
“É caso para restauro, porque tem manchas e a sujidade está grande,
além de ter sido atacado por brocas”, afirma Andrea. E completa: “um
livro que vai ser restaurado provavelmente terá também intervenções de
conservação, como o remendo de rasgos”.
Primeiro, é feito o já citado processo de limpeza com a trincha, folha
por folha. Em seguida, as páginas vão para o chamado “banho”,
tratamento aquoso com água deionizada, para extrair outras impurezas – e
a obra é posta parar secar até o dia seguinte.
Como a obra foi atacada por traças e brocas, e ficou com furinhos nas
folhas, é preciso que ela passe pela Máquina Obturadora de Papel (MOP),
que usa eletricidade e água para preencher novamente aqueles espaços
vazios que ficaram – a chamada reenfibragem.
Quando é preciso usar química forte, como solventes, o livro é
colocado na “Capela” – um local em que a alta sucção retira rapidamente
os produtos e gases do ar para que o restaurador não tenha contato.
Os responsáveis pelo processo trabalham de avental, máscara e luvas
cirúrgicas e, para manusear materiais mais fortes, usam óculos de
proteção, luvas mais grossas e um sapato especial. Tudo para a maior
segurança dos profissionais em restauração.
Por fim, o livro é reencadernado e ganha uma caixa de papel filifold,
de boa resistência e que não solta tinta, evitando causar danos à obra
restaurada quando em contato com ela.
Assim, é possível ter uma versão de Maria Rosa Mística, do século
XVII, nos dias de hoje – uma edição do passado que sobreviveu ao tempo e
pode continuar contando, naquelas folhas de antes, a história que ainda
há em suas linhas.
Comentários
Postar um comentário