Medusa |
Uma roda se forma em volta da caixa lacrada. Técnicos desparafusam a
tampa e empregados do museu congelam diante da primeira visão do são
Jerônimo de Caravaggio. "É ele?", pergunta um funcionário. "Sim, essa é
dele mesmo, uma verdadeira", responde a restauradora.
Já na montagem da mostra do mestre do barroco na Casa Fiat de Cultura,
em Belo Horizonte, olhares destrincham as telas de Caravaggio em
comparação com as obras de seus seguidores, também expostas. Mas nenhuma
é tão magnética quanto as dele.
Mesmo os curadores da exposição ficam longos minutos olhando cada
centímetro das telas com lupas e lanternas, algo entre uma reverência
estranha e um ar embasbacado com aqueles traços.
Um dos artistas mais copiados do mundo, Caravaggio também copiou as
próprias obras, mas nunca à perfeição. Deixou espaço para mudanças de
cor, perspectiva, posição e alguns mínimos detalhes, o que confundiu
historiadores de sua obra e embaralhou noções de réplica e original nos
últimos 400 anos.
Meses depois da descoberta de outra "Medusa" feita por ele antes da
célebre "Medusa" da Galleria degli Uffizi, em Florença, a mostra que
chega hoje à capital mineira, e segue para o Masp em julho, trata da
polêmica em torno das versões de suas obras.
Crucificação de São Pedro |
"São Francisco em Meditação", tela de 1606, é um desses casos. Existem
cinco versões do mesmo quadro que adornou por séculos a igreja dos
capuchinhos em Roma.
Quando uma suposta cópia veio à tona nos anos 60, estudos acabaram provando que a reprodução era, na verdade, a primeira de todas, que serviu de estudo preparatório para a mais famosa.
Quando uma suposta cópia veio à tona nos anos 60, estudos acabaram provando que a reprodução era, na verdade, a primeira de todas, que serviu de estudo preparatório para a mais famosa.
Foram encontrados desenhos e esboços sob as sombras espessas de
Caravaggio que não estavam na tela que pertencia aos capuchinhos.
Da mesma forma, a primeira "Medusa", que também está na mostra em Belo
Horizonte, esconde sob a tinta várias versões dos olhos e da boca do
monstro de cabelos de serpente, algo ausente da versão do museu
florentino.
LENDAS E MITOS
"Isso de ele não fazer rascunhos é uma lenda, um mito", diz Giorgio
Leone, curador da mostra. "Nos quadros da juventude, é possível ver seus
traços a lápis antes da pintura e nos da fase madura isso aparece em
menor grau, já que ele sabia transpor um desenho para a tela."
Teses se multiplicam sobre como Caravaggio teria construído nas pinturas
sua visão de um mundo mergulhado em sombras e iluminado com raros e
cortantes focos de luz, oscilando entre vermelhos vivos, brancos e tons
terrosos.
Uma delas diz que ele usava espelhos para rebater um único foco de luz
contínuo sobre a tela, para evitar mudanças na posição das sombras
enquanto pintava no ateliê.
Outra diz que ele usava pigmentos fosforescentes, capazes de reproduzir
de modo instantâneo na tela qualquer objeto diante da superfície.
Mas nada disso importa diante do impacto de um Caravaggio visto ao vivo.
Com ou sem truques, cópia ou original, sua obra até hoje desloca
qualquer ordem e provoca uma convulsão do olhar.
São Gerônimo |
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