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Obra reúne artigos sobre os hábitos do leitor brasileiro. Via Estadão.

Fonte: Estadão. Por Maria Fernanda Rodrigues

SÃO PAULO - Se os professores fossem também leitores e mediadores de leitura, se as famílias tivessem livros em casa e os pais costumassem lê-los na frente das crianças - e também para elas -, e se as bibliotecas fossem atrativas tanto na forma quanto no conteúdo, é possível que o Brasil ganhasse, enfim, a alcunha de um país de leitores, sonho acalentado e expressão repetida à exaustão por entidades do livro e representantes governamentais. Essa é, basicamente, a fórmula da socióloga Zoara Failla para a solução do problema. Ela é coordenadora da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, apresentada em março, e organizadora de livro homônimo, lançado agora na Bienal do Livro.
A obra traz artigos de pesquisadores, escritores e de profissionais do governo, de entidades do livro e de organizações do terceiro setor acerca dos mais variados temas abordados no levantamento que ouviu, em 2011, 5.012 pessoas de 5 anos ou mais, moradoras de 315 municípios. Traz ainda os números da pesquisa e gráficos comparativos, apresentando um mapa do comportamento leitor brasileiro - o que lê, quando e onde lê, por que lê.
A análise feita agora dos dados possibilita traçar tendências, identificar políticas e ações que estão dando certo e sugerir novos caminhos. Entre os autores, estão a escritora Ana Maria Machado, presidente da Academia Brasileira de Letras; Ísis Valéria Gomes, presidente da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil; a pesquisadora Marisa Lajolo; Tania Rösing, idealizadora da Jornada de Literatura de Passo Fundo, e muitos outros.
Girl reading - Fongwei Liu
Desenvolver a habilidade leitora da criança não é tarefa fácil, mas é um dos objetivos da educação básica. Mais difícil é transformar essa criança que está aprendendo a juntar letrinhas num leitor crítico e num leitor que terá prazer em ler um livro de literatura - e que continuará buscando novas leituras quando sair da escola e não for mais obrigado a ler. Se o índice de leitura do brasileiro é de quatro livros por ano, como apontou a última pesquisa, quando excluímos as obras indicadas pela escola, ou seja, quando consideramos apenas a leitura espontânea, chega-se ao risível índice de pouco mais de um livro por ano. Segundo o Cerlalc, os colombianos leem 2,2 e os espanhóis, 10,3.
Na última edição da pesquisa, de 2007, feita também pelo Ibope Inteligência a pedido do Instituto Pró-Livro, formado pela Câmara Brasileira do Livro, Sindicato Nacional de Editores e Associação Brasileira dos Editores de Livros Escolares, a mãe era a maior incentivadora da leitura, com 49% das respostas. Hoje, responde por 43% e perde a liderança para o professor. Ele é apontado por 45% dos entrevistados como a pessoa que mais indica obras e leitura. "Apesar da escola ser um espaço privilegiado de formação de leitores, ela acaba não se dando conta desse papel. A pessoa sai da escola e para de ler. A formação do leitor está falhando."
Segundo Zoara, 150 educadores responderam à pesquisa e acabaram reproduzindo o que a população apresenta como dificuldade de leitura e interesse pelo livro. No tempo livre, ao invés de ler, eles também assistem a televisão, lazer preferido de 85% dos brasileiros. "Se não temos dentro da escola um professor que é alguém que já foi despertado para o gosto da leitura, dificilmente ele vai conseguir cativar o seu aluno. Se ele mesmo não conhece a emoção de ler, que repertório ele tem para escolher livros adequados para aquela faixa etária e para o interesse dos seus alunos?", questiona.
Biblioteca. O brasileiro vê a biblioteca como uma extensão da escola: dos 24% que frequentam, 80% são estudantes. Zoara lembra que para muitas cidades, ela é o único equipamento cultural. Mas fecham à noite e nos fins de semana, não contam com acervo atualizado e não investem em programação. Enfim, ficam confortáveis na posição de guardiãs dos livros. Uma contação de história ou a presença de um autor lá já seria meio caminho andado para despertar o interesse pelo livro. Porém, para 33% dos brasileiros, nada os convenceria a ir a uma biblioteca.

Franz says: este é um dos melhores artigos que li sobre o assunto. Simples, porém de conteúdo realista, a autora detalha as principais falhas que geram um leitor preguiçoso ou, na pior das hipóteses, um indivíduo que não lê. As falhas no processo destinado a habituar desde cedo a criança a ler e, consequentemente, evoluir até a fase adulta são gritantes.  Material pouco atrativo, bibliotecas com horários incondizentes, material de leitura caro, livros usados em salas de aula incompatíveis com a mentalidade da geração atual... todos esses problemas e muitos outros podem ser resolvidos ou minimizados com um pouco de vontade política. Basta uma reformulação em alguns setores e, em um prazo médio, teremos leitores que não abandonarão os livros quando a leitura deles não for mais obrigatória. Basta querer.
Também quero deixar claro que, na minha opinião, o uso de obras adaptadas aos quadrinhos e as próprias HQ em si são ferramentas que devem ser utilizadas com maior frequência. Editoras já perceberam que este tipo de leitura é atraente para os jovens e estão disponibilizando material. Com o apoio do governo, através de redução de impostos e uma política de incentivo ao material digitalizado, muitos novos leitores surgirão. A tecnologia e as leis de incentivo podem trazer materiais cada vez mais próximos da realidade do leitor de hoje e, assim, cativá-lo.
Que essas palavras e esse artigo não caiam no esquecimento.

Comentários

  1. Poderia destacar muitos pontos do texto, mas um que me preocupa em especial é este:


    "Se não temos dentro da escola um professor que é alguém que já foi despertado para o gosto da leitura, dificilmente ele vai conseguir cativar o seu aluno. Se ele mesmo não conhece a emoção de ler, que repertório ele tem para escolher livros adequados para aquela faixa etária e para o interesse dos seus alunos?", questiona."


    Muitos cobram dos pais o exemplo. Porém, se os pais não leem, é preciso que alguém desperte nas crianças e adolescentes esse interesse. É neste ponto que eu ressalto o papel dos professores, especialmente o de Português/Literatura. Ele precisa ser o exemplo.

    Reconheço todas as dificuldades da profissão, e precisamos todos lutar pela melhoria dessas condições, mas eles, uma vez que assumiram essa função, têm grande responsabilidade sobre a formação dos cidadãos e das atitudes que eles irão tomar no futuro.

    Sabemos que muitos estudantes detestam ler clássicos, porque são apresentados como imposição, como obrigação, além de constituírem leituras difíceis, sem a devida explicação e acompanhamento. Oras, esse tipo de abordagem é contraproducente, e fará com que muitos evitem os clássicos e talvez evitem os livros de maneira geral.

    É preciso realmente "seduzir" os alunos, atrair o interesse para o livro, despertar a curiosidade, propor a participação de uma maneira menos burocrática e mais divertida, além de estar a par do que faz parte das referências culturais dos estudantes, de desenhos animados a Harry Potter. Qualquer pessoa aprende muito melhor a partir das próprias referências.

    Um professor não pode se limitar a jogar matéria, mas em tentar construir uma ponte, uma sintonia com seus próprios alunos. Aquele que conseguir fazer com que seus alunos tenham gosto de aprender terá meio caminho andado. Eles por si só farão esforço para aprender. O mesmo se aplica à leitura.

    Claro, o problema não se resume a isso, há muito o que refletir e melhorar em muitos sentidos, e o texto é bastante claro nesse sentido, mas considero esse um ponto muito relevante.

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