Por Franz Lima. Publicado originalmente no Walking in Bookland
Uma adaptação de uma Graphic Novel para um filme é um ato de extrema coragem, principalmente quando a obra adaptada é uma das responsáveis pela reestruturação do modo como se fazia uma História em Quadrinhos. Watchmen, junto com o Cavaleiro das Trevas (Frank Miller) e V, de Vingança (Alan Moore e David Lloyd) é um dos trabalhos que mais influencia os autores de quadrinhos, além de ter colaborado com uma abordagem mais sombria, critica e adulta ao universo dos super-heróis.
Uma adaptação de uma Graphic Novel para um filme é um ato de extrema coragem, principalmente quando a obra adaptada é uma das responsáveis pela reestruturação do modo como se fazia uma História em Quadrinhos. Watchmen, junto com o Cavaleiro das Trevas (Frank Miller) e V, de Vingança (Alan Moore e David Lloyd) é um dos trabalhos que mais influencia os autores de quadrinhos, além de ter colaborado com uma abordagem mais sombria, critica e adulta ao universo dos super-heróis.
Watchmen
também é detentor de inúmeros prêmios, figurou na lista da Time como um
dos 100 romances mais influentes (fato até hoje não igualado) e é
indiscutível sua qualidade narrativa e as múltiplas tramas que estão
inseridas em suas páginas. Drama, vingança, morte, vida, medo, guerra
(inclusive a Fria) e anti-heróis que tem os mesmos defeitos que qualquer
outro ser humano possui. Tudo isso reune-se em Watchmen com maestria,
dando-nos uma clara ideia do grau de complexidade de uma sociedade na
qual existem seres com poderes e habilidades além da nossa compreensão.
Comprovadamente
isso deu muito certo em uma graphic novel (romance gráfico, a grosso
modo). A história em torno do mistério sobre o assassinato do Comediante
e tudo o que está relacionado a isso é um sucesso incontestável. Então,
quais os motivos que levaram a uma demora tão grande para a
transposição para a película? E, afinal, o filme dirigido por Zack
Snyder foi uma má adaptação ou há um excesso de zelo por parte de
fanboys?
Em
resposta à primeira pergunta, sobre a demora em transformar um
recordista de vendas e uma história em quadrinhos que virou ícone de
gerações, em filme para o cinema, muitos foram os motivos para tamanho
atraso. Posso citar como principal motivação a tecnologia ainda fraca
para comportar tantos elementos que precisavam de efeitos especiais
complexos, computação gráfica e captura de movimentos. Todas as
tecnologias citadas são relativamente recentes e, ainda hoje, muito
caras. Acrescente a isso a dificuldade em transformar em roteiro
(condizente com as expectativas dos fãs) uma obra tão complexa e também a
resistência dos estúdios para realizar o filme. Alguns diretores até
aceitaram a empreitada, porém ou desistiram logo no início, ou sequer
deram o primeiro passo. Não seria uma jornada simples... E o relógio
para o fim do mundo continuava seu passeio até à meia-noite.
Já
no tocante à segunda pergunta (que está dividida em duas), sou suspeito
em falar por ser um apreciador do resultado final de Watchmen. Na minha
opinião, Zack Snyder foi a escolha correta e ele teve muita alegria em
transformar a Graphic Novel em um filme condicente com aquilo que
aprendemos a ler e amar. Watchmen recebe até hoje críticas por parte de
alguns fanboys, principalmente por conta da mudança dos uniformes. Mas
será que eles perceberam que o tom sombrio do filme não combina em nada
com pessoas extremamente coloridas? Quando a história foi concluída,
Alan Moore era um homem de um tempo diferente do atual. Em 1986, quando
Moore iniciou os trabalhos, ele criou seus personagens adequados com os
que eram sucesso à época (isso no visual, onde David Gibbons teve papel
preponderante), ainda que mais profundos e complexos. As cores não
atrapalhavam em nada a trama, porém compreendo a escolha de Snyder por
roupas mais escuras, fáceis de se misturar ao ambiente sinistro que
ronda todo o filme.
A trilha sonora
Watchmen
surpreendeu demais com a trilha sonora utilizada. Caso não lembrem, 300
(também dirigido por Zack Snyder) teve uma trilha cheia de rock, algo
incomum para uma produção sobre o povo espartano. Logo, muitos
aguardaram algo similar em Watchmen e que Zack fez questão de
contrariar, optando por músicas mais próximas à época em que a trama se
passa. Eis o track list completo:
1. Desolation Row - My Chemical Romance
2. Unforgettable - Nat King Cole Trio
2. Unforgettable - Nat King Cole Trio
3. The Times They Are A-Changin' - Bob Dylan
4. The Sound of Silence - Simon & Garfunkel
5. Me & Bobby Mcgee - Janis Joplin
5. Me & Bobby Mcgee - Janis Joplin
6. I´m Your Boogie Man - Kc & The Sunshine Band
7. You´re My Thrill - Billie Holiday
8. Pruit Igoe & Prophecies - Philip Glass
9. Hallelujah - Leonard Cohen
10. All Along the Watchtower - Jimi Hendrix
10. All Along the Watchtower - Jimi Hendrix
11. Ride of the Valkyries - Budapest Symphony Orchestra
Peço
especial atenção à poesia que se mistura à violência na cena em que o
Comediante é assassinado e também na cena de seu enterro, cada uma,
respectivamente, ricamente sonorizada por "Unforgettable" e "The sound
of silence". Perfeitas...
A história dentro da história: os contos do cargueiro negro
Não
bastasse a complexidade da história em si, Alan Moore acrescentou um
ingrediente especial: uma outra graphic novel que é lida por um dos
personagens da série. A transição entre a cena final de um trecho de "Os
contos..." dá lugar a uma cena de Watchmen, criando uma simbiose
incrível entre as duas tramas. A ausência de "Os contos" trouxe um
grande incômodo aos fãs mais ardorosos que protestaram. Mas a verdade é
que intercalar as duas ambientações seria dispendioso em tempo e
dinheiro e, por isso, Zack Snyder optou por lançar à parte, também em
DVD, os "Contos do cargueiro negro". A adaptação ficou excelente e
retrata com a mesma crueldade a história do homem que atravessa o Oceano
em busca de uma vingança, às custas dos corpos de tripulantes do seu
antigo navio. A diferença entre esta edição e a impressa está nos tons
mais sombrios da história no DVD, que deixou de lado os tons coloridos
da HQ e adotou cores vermelhas e alaranjadas para criar um ambiente
soturno, dando maior impacto à trama.
Contudo, mesmo com tanto apuro, o fato é que a história de Contos do Cargueiro Negro
perdem contexto e força quando separados da trama principal. Para os
fãs mais fervorosos, não ver o garoto lendo a HQ é algo decepcionante.
Mas vale a pena conferir, não resta dúvida.
O documentário: Sob o capuz
Há
uma passagem da HQ que também ficou à parte do filme, a entrevista de
Hollis Manson, o primeiro Coruja, chamada na história de "Sob o capuz".
Esta passagem é mostrada com atores e vem como extra no DVD dos "Contos
do Cargueiro Negro". Tal como na história em quadrinhos, a narrativa
oscila entre os anos 80 e o período em que Manson estava em seu auge,
integrando o grupo Minutemen. Ponto alto desta obra é a abordagem
inocente dos relatos da época em comparação com a época em que vivem os
Watchmen. A comparação entre os vilões da década de 40 e as atuais
ameaças chegam a trazer nostalgia aos que viveram aquele período.
Confiram
sem medo e preparem-se para uma ótima adaptação de uma passagem que
ficou "escondida" diante da grandiosidade dos demais acontecimentos na
HQ original. Sob o capuz ganhou visibilidade merecida com esta
versão para DVD, algo não encontrado originalmente, já que estava em sua
maioria, no formato de texto.
O resultado final em comparação à obra de Alan Moore
Não
sei se todos sabem disso, porém é sempre bom ressaltar: Alan Moore não
aprova suas histórias sendo adaptadas. Desde que a Liga Extraordinária
foi transformada em filme, Moore demonstra um verdadeiro sentimento de
ódio por toda e qualquer produção que use material seu.
Com
a concordância, ou não, de Alan, a verdade é que, na minha opinião,
Watchmen foi um filme injustiçado pelos fãs da série original.
Motivados, ou não, pelos comentários do autor, não cabe críticas à uma
produção que trouxe com quase total fidelidade algo tão grandioso. A
demora em transpor para a tela a Graphic Novel não foi corriqueira, ela
se deu por conta de inúmeros entraves e problemas que a grandiosidade do
trabalho requeria. Snyder foi o responsável por trazer ao audiovisual
esta produção. Pequenos erros são até aceitáveis, principalmente se
contarmos o resultado final, o filme em si. As comparações sempre
existirão, porém é válido relembrar que o próprio filme é um divulgador
da obra de Moore. Ainda não ouvi um único comentário do tipo "não lerei
os quadrinhos porque não gostei do filme". Honestamente, creio que,
hoje, o filme e seus subprodutos são complementos à Graphic Novel.
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