Por: Franz Lima. Publicada originalmente no Murmúrios Pessoais.
Uma
das séries responsáveis pela reformulação no modo como se faz
quadrinhos, fruto de uma safra de verdadeiras obras de arte: assim é
como defino Camelot 3000.
Escrita por Mike W. Barr e ilustrada por Brian Bolland (A Piada Mortal),
esta trama foi publicada originalmente em formato de maxissérie. No
Brasil, ela foi lançada inicialmente nas revistas Super Amigos e Batman,
mas houve outras edições em formato de minissérie e também em edições
encadernadas.
Entretanto, não importa qual seja a
forma de publicação, Camelot é uma obra-prima dos quadrinhos e merece
ser lida. Os motivos? Descubram agora…
MITOLOGIA E QUADRINHOS
Camelot 3000 é uma HQ
diferenciada. Seu conteúdo mistura a lenda do rei Arthur e a Távola
Redonda com a ficção de um futuro alternativo. No roteiro de Mike Barr, o
rei Arthur ressurge para, novamente, auxiliar a Inglaterra a recuperar o
caminho correto. Contudo, nesse contexto há um detalhe de extrema
importância: Arthur é o único integrante da Távola que conhece o próprio
passado e está ciente de quem realmente é. Tal qual na lenda
arthuriana, o surgimento do rei implica em renovação espiritual para
todos os súditos. Pelo menos para os que creem.
ARTHUR E MERLIN
O
vínculo entre o rei e a magia ainda permanece. Arthur é despertado de
um longo sono e descobre que vive em um novo e agonizante mundo. É neste
contexto que a busca pelos antigos integrantes da Távola Redonda se
inicia, mas com um ponto negativo que é a ausência de alguns dos
cavaleiros. Com a ajuda de Merlin, o filho do Demônio, os cavaleiros são
‘despertados’ de uma vida onde estavam desligados de seu passado. A
magia é a principal responsável por um início menos propenso à derrota
por parte do rei e seus asseclas.
A TRAIÇÃO
Caso você ainda não tenha lido sobre as lendas arthurianas, o que vou dizer é um SPOILER de nível nuclear…
Arthur tem uma rainha consorte chamada
Guinevere. Essa rainha é o alicerce sentimental do rei e ela trai a
confiança e o amor dele com seu mais confiável cavaleiro, Lancelot. Esse
triângulo amoroso é a ruína para Arthur e, infelizmente, nem mesmo a
reencarnação foi capaz de apagar a atração mútua entre a rainha e
Lancelot. Logo, a trama de Barr já começa com um ponto extremamente
negativo (para o Rei), um ponto fraco que pode decretar a derrocada da
nova Távola.
Um
dos pontos altos da história são as alianças formadas pelos mais
improváveis aliados. Motivados por prazer, rancor, medo ou poder, os
grupos vão ganhando força conforme a trama se desenvolve. Mas não são
essas alianças por si só que dão um realce à trama. São as nuances e
surpresas nesses grupos (incluindo múltiplas traições) que reforçam o
impacto do drama e mostram que essa não é uma história comum.
OUTROS PONTOS ALTOS DA TRAMA
Mike W. Barr nos presenteou com um
roteiro adulto, enxuto e coerente. A trama tem política, sexo,
violência, corrupção e uma visão futurista apocalíptica onde a
Inglaterra e todo o planeta estão à mercê dos desígnios de alienígenas
que matam indiscriminadamente e não mostram piedade. Entretanto, isso
pode esconder muito mais, principalmente se levarmos em conta as
lideranças desses invasores.
Outro ponto polêmico é a abordagem da
reencarnação. A Távola é reconstruída com os mais diferentes cavaleiros e
há um caso onde um deles retorna como mulher. Barr dá um tratamento
muito interessante a essa integrante dos cavaleiros e mostra os
conflitos psicológicos por ela sofridos. Como um homem pode viver no
corpo de uma mulher sem enlouquecer? Essa é uma das muitas questões
abordadas na obra.
A RELIGIÃO
Mesmo
se tratando de uma visão futurista do mundo, a religiosidade ainda está
presente. Aliás, é a fé que se mostra capaz de incentivar mudanças de
comportamento e também é a fonte de força de Arthur.
Uma das partes mais emocionantes da
trama acontece na busca pelo Graal, fato que, inclusive, precisa de uma
fé inabalável para que ocorra.
A obra de Bolland e Barr tem um visual
datado. As imagens são magníficas (basta citar as consagradas artes de A
Piada Mortal), mas é perceptível que foram feitas com base em toda a
visão da época (década de 80) sobre um futuro que não condiz com um
provável ano 3000, o que não desmerece a graphic novel de forma alguma.
Como dito acima, o que surpreende é a
presença de uma dose de religiosidade (cristã) que parece improvável
quando olhamos para a realidade, principalmente quando notamos um
crescimento vertiginoso de outras religiões.
PARÁBOLAS
Há algumas lições embutidas de forma bem
discreta e outras nem tanto. Entretanto, o eterno duelo entre o bem e o
mal ganha uma dimensão diferente quando o assunto é o destino de
Morgana Le Fay. Ela paga um alto preço por seu poder e é essa associação
entre poder e desgraça que dão um tom dramático intenso à personagem.
Outra visão interessante está em Sir Percival que é representado como um
monstro em aparência, porém é o cavaleiro com o coração mais puro.
Por meio de tais representações e
conflitos, Barr e Bolland dão um raro presente ao público leitor,
mesclando fé, castigo e amor em uma trama plena de reviravoltas e
ensinamentos.
O leitor que comprou a edição de ‘luxo’
da Mythos certamente se arrependeu ao encontrar – anos depois – a Edição
Definitiva da Panini. As duas tem quase o mesmo conteúdo, porém a
edição da Panini tem extras, capa dura e impressão em papel couchê.
Definitivamente, recomendo a aquisição da edição de luxo (de verdade) da
editora Panini, mesmo com um preço maior.
Entretanto, se você só quer realmente
ler a história e jamais tê-la outra vez em mãos, busque as 4 edições que
são facilmente encontradas em sebos e na web.
NOTA FINAL
Preciso falar? Camelot 3000 é uma das
melhores tramas dos anos 80 e que ainda está atual em nossos dias. Dou
nota máxima e afirmo: arrependei-vos, vós que não lestes tal obra.
P.S.: agradeço ao apoio de Gleice Couto, escritora e blogueira que tem um ótimo trabalho no www.murmuriospessoais.com. Visitem e prestigiem seus textos e resenhas.
Uma excelente obra que aguarda a minha leitura...
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