Por: Franz Lima.
Uma conceituada historiadora que vem se aprofundando na história dos oprimidos, Mary Del Priore inovou com um tema que tem atraído muitos (as) leitores (as). Seu mais recente trabalho se chama 'Histórias Íntimas - Sexualidade e Erotismo na História do Brasil' e retrata algumas curiosidades e absurdos do desenvolvimento da liberdade sexual, principalmente para as mulheres, oprimidas por séculos e tidas até hoje como objeto sexual.
“A Barbie é uma boneca que ensina a menina a ser puta. Ela só quer saber de roupa, nem liga para o Ken. Ela só ensina a consumir. E não sei quando o reinado da Barbie vai acabar”Quais eram as reações para comportamentos tido hoje como normais, nudez, padrão de beleza, sexo entre classes, adultério... e muitos outros temas interessantes estão disponíveis nessa instigante e bela obra da historiadora que revela verdadeiramente o desenvolvimento da vida íntima do brasileiro.
O livro está com preço promocional de R$ 19,90 na Livraria da Folha.
Para saber mais sobre a autora, suas obras e este livro, leiam a entrevista concedida à revista TPM: Mary Del Priore
Abaixo, um trecho do primeiro capítulo:
1500: Pleno desabrochar do Renascimento na Europa e chegada dos
"alfacinhas" ao Brasil. Em 1566, é dicionarizada na França, pela
primeira vez, a palavra erótico. Designava, então, "o que tiver
relação com o amor ou proceder dele". Na pintura, o humanismo colocava o
homem no centro do mundo - e não mais Deus -, descobrindo -se os corpos
e o nu. Nu que, hoje, associamos ao erotismo. Mas era ele, então,
sinônimo de erotismo? Não. Isso significa que as palavras, os conceitos e
seus conteúdos mudam, no tempo e no espaço; o que hoje é erótico, não o
era para os nossos avós.
Comecemos por um exemplo bastante conhecido. Ao desembarcar na então
chamada Terra de Santa Cruz, os recém-chegados portugueses se
impressionaram com a beleza de nossas índias: pardas, bem dispostas,
"suas vergonhas tão nuas e com tanta inocência assim descobertas, que
não havia nisso desvergonha alguma". A Pero Vaz de Caminha não passaram
despercebidas as "moças bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos
compridos pelas espáduas". Os corpos, segundo ele, "limpos e tão gordos
e tão formosos que não pode mais ser". Os cânones da beleza europeia se
transferiam para cá, no olhar guloso dos primeiros colonizadores.
Durante o Renascimento, graças à teoria neoplatônica, amor e beleza
caminhavam juntos. Vários autores, como Petrarca, trataram desse tema
para discutir a correspondência entre belo e bom, entre o visível e o
invisível. Não à toa, nossas indígenas eram consideradas, pelos
cronistas seiscentistas, criaturas inocentes. Sua nudez e despudor eram
lidos numa chave de desconhecimento do mal, ligando, portanto, a
"formosura" à ideia de pureza. Até suas "vergonhas depiladas" remetiam a
uma imagem sem sensualidade. As estátuas e pinturas que revelavam
mulheres nuas, o faziam sem pelos púbicos. A penugem cabeluda era o
símbolo máximo do erotismo feminino. A questão da sensualidade não
estava posta aí.
Nuas em pelo, as "americanas" exibiam -se, também, nas múltiplas
gravuras que circulavam sobre o Novo Mundo, com seus seios pequenos, os
quadris estreitos, a cabeça coroada por plumagens ou frutas tropicais.
Os gravadores do Renascimento as representavam montadas ou sentadas
sobre animais que os europeus desconheciam: o tatu, o jacaré, a
tartaruga. Mas, aí, a nudez não era mais símbolo de inocência, mas de
pobreza: pobreza de artefatos, de bens materiais, de conhecimentos que
pudessem gerar riquezas. Comparadas com as mulheres que nas gravuras
representavam o continente asiático ou a Europa, nossa América era nua,
não porque sensual, mas porque despojada, singela, miserável. As outras
alegorias - a Ásia e a Europa - mostravam -se ornamentadas com tecidos
finos, joias e tesouros e todo tipo. Mesmo a África, parte do mundo mais
conhecida no Ocidente cristão do que a América, trazia aparatos,
expondo a gordura. Gordura, então, sinônimo de beleza.
O retrato das americanas, além da magreza e da nudez, ostentava sempre
um signo temido: os ossos daqueles que tinham sido devorados nos
banquetes antropofágicos. Nudez, pobreza e antropofagia andavam de mãos
dadas. As interpretações, então, se sobrepunham: passou-se da pureza à
pobreza. E daí ao horror por essa gente que comia gente. Pior. À medida
que os índios resistiam à chegada dos estrangeiros, aprofundava-se sua
satanização. Para combatê-los ou afastá-los do litoral, nada melhor do
que compará-los a demônios. A nudez das índias estava, pois, longe de
ser erótica.
Desde o início da colonização lutou-se contra a nudez e aquilo que ela
simbolizava. Os padres jesuítas, por exemplo, mandavam buscar tecidos de
algodão, em Portugal, para vestir as crianças indígenas que
frequentavam suas escolas: "Mandem pano para que se vistam", pedia padre
Manoel da Nóbrega em carta aos seus superiores. Aos olhos dos
colonizadores, a nudez do índio era semelhante à dos animais; afinal,
como as bestas, ele não tinha vergonha ou pudor natural. Vesti-lo era
afastá-lo do mal e do pecado. O corpo nu era concebido como foco de
problemas duramente combatidos pela Igreja nesses tempos: a luxúria, a
lascívia, os pecados da carne. Afinal, como se queixava padre Anchieta,
além de andar peladas, as indígenas não se negavam a ninguém.
Dados técnicos:
Título: Histórias Íntimas Subtítulo: Sexualidade e Erotismo na História do Brasil Autor: Mary Del Priore Editora: PlanetaAno: 2011 Idioma: Português Especificações: Brochura | 256 páginas ISBN: 978-85-7665-608-1 Dimensões: 230mm x 160mm
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