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Crianças de Gaza.


Por: Franz Lima
É difícil ser imparcial quando uma foto como esta é veiculada. Mais difícil ainda quando a imagem recebe prêmios pelo impacto visual - e apelativo - que ela tem. Mas a verdade é que por mais chocante que seja, a denúncia precisava ser feita. O mundo precisa conhecer sua própria face escura.
A fotografia em questão mostra familiares transportando os corpos de duas crianças mortas durante um bombardeio israelense a uma zona civil da Faixa de Gaza. É impossível ficar indiferente às expressões de dor e ódio estampadas nas faces das pessoas que transportam as crianças. É impossível ficar indiferente ao ver o futuro de duas crianças ser brutalmente interrompido, impedido de ocorrer.
Como pai, tive a dor desses familiares transferida para mim. Como pai, tremi diante da mínima possibilidade de perder um de meus filhos. Como pai, silenciei em respeito aos entes das crianças assassinadas.
O que mais me aborrece é ter a consciência de que essas vítimas viram estatística. O que me entristece ainda mais é ter a consciência de que o tempo irá apagar essa imagem, por mais premiada que seja.
Nunca entenderei como povos tão próximos como palestinos e judeus - cuja história mostra períodos de paz e colaboração - hoje travam uma guerra sem lógica. Quantos mais morrerão por água e terra? Quantos mais irão tombar em uma guerra da qual não têm sequer ciência? Os meninos acima estavam com seus pais no momento do ataque. O pai e as crianças foram mortos instantaneamente. A mãe, por uma ironia do destino, ficou gravemente ferida, mas não faleceu. Na verdade, três partes dela morreram quando sua família foi dizimada. 
Não consigo ser imparcial - volto a afirmar - quando vejo cenas como essa. Não consigo ser imparcial quando sei que há um exército extremamente bem treinado e armado que combate homens movidos pela raiva de um território invadido, de costumes burlados e de uma humilhação cada vez maior. 
Não tenho qualquer rancor quanto ao povo judeu. Respeito o sofrimento de estar espalhado pelo mundo como se não fossem dignos de ter seu próprio lar. Elevo meus pensamentos aos céus ao lembrar-me dos anos de perseguição e morte que tanto atormentaram homens, mulheres e crianças. 
Mas sempre imaginei que a dor e o sofrimento que lhes impuseram fossem servir como um lição sobre a maldade humana. Enganei-me.
Hoje, com pesar, contemplo o perseguido sendo o caçador. Contemplo um povo preparado para matar em nome de uma terra que poderia ser dividida de forma coerente entre dois povos. Juntos, palestinos e judeus, seriam uma potência incomparável em força de vontade e resistência. Mas...
A intolerância - bilateral - é uma arma que é muito bem usada pelos poderosos e manipuladores. Homens cujas línguas deturpam as belas palavras do Corão e do Torá. Novamente vemos incrédulos o poder destrutivo das palavras proferidas pelo homem, cuja ambição não poupa vidas, terras ou almas. Em nome dos próprios interesses, governos e líderes religiosos jogam povos em guerra, pois é só essa linguagem que eles compreendem. Só com a morte há diversão para os poderosos. Até a fé está sendo relegada para segundo planto.
Ainda acredito no dia em que as pessoas com capacidade para mudar a triste realidade de Gaza e outras áreas similares percebam, enfim, que a localidade não é nada além de um Campo de Concentração. Não há fuga para os moradores. 
As únicas coisas que peço a Deus é que tais homens apodrecidos pela ganância, fanatismo e crueldade tenham seus sonhos povoados pelas faces dos inocentes cujas vidas eles ajudaram a ceifar. E que os parentes dessas crianças - e de tantas outras massacradas - tenham um pouco de paz.
Que tal cena jamais se repita. É tristeza demais.


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