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Arsh Dilbagi criou dispositivo que permite que pacientes ‘falem’ pela respiração (Foto: Divulgação/Arsh Dilbagi) |
Inspire e expire pelo nariz. Faça isso outra vez. Com apenas esses
dois pulsos de ar voluntários e longos, a letra “M” acaba de ser
expressa por meio de Código Morse. E é exatamente essa lógica que
permitiu que o jovem indiano Arsh Shah Dilbagi, de 16 anos,
desenvolvesse um premiado e barato mecanismo de comunicação que pode
permitir que milhões de pessoas voltem a se comunicar, quando a fala, os
braços e os pés deixam de ser opções para formar frases.
Entusiasta
e estudioso de ciência da computação, Arsh, que ainda cursa o ensino
médio na cidade de Panipat, próximo à capital Nova Deli, desenvolveu o
“Talk”, que promete ser o dispositivo de CAA (Comunicação Aumentativa e
Alternativa) mais barato e acessível do mundo, permitindo que pacientes
com doenças degenerativas e outras desordens motoras voltem a “falar”,
por menos de US$ 100 (cerca de R$ 240). Veja o vídeo aqui.
O jovem contou ao G1 sobre o desenvolvimento do aparelho, vencedor de
uma das categorias do concurso “Google Science Fair 2014″, as
possibilidades de aplicação do dispositivo para melhorar a qualidade de
vida dos pacientes e seus esforços para, em suas palavras, “mudar o
mundo”.
‘Vi pacientes chorando’
Dilbagi, que também atende pelo apelido de “Robo”, contou que a
inspiração para a realização do projeto veio da história de vida do
físico inglês Stephen Hawking, especialmente por sua batalha com a
Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). No entanto, uma ida ao hospital e a
observação de pessoas que haviam sofrido derrames e tinham sequelas
motoras fez com que a ideia começasse a ter forma.
“Vi pacientes chorando. Aquele dia me questionei: ‘por que não há uma
solução no mundo que os ajude a se comunicar?'”, relatou o rapaz,
lembrando a angústia de pessoas que não conseguiam mais se expressar por
meio de palavras. “Há mais de 100 milhões de pessoas do mundo com esse
tipo de deficiência, o que é maior do que toda a população da Alemanha”,
comparou.
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Com pulsos curtos ou longos de ar ao expirar, aparelho interpreta sinais por meio do Código Morse (Foto: Wikimedia Commons) |
Após cerca de um ano de trabalho, incluindo três meses de pura
pesquisa e mais de sete meses para finalmente construir um dispositivo,
desenvolver o software em três linguagens de programação e testar
diversos de protótipos, o rapaz conseguiu criar o “Talk”.
Utilizando pulsos de ar ao expirar, um sensor colocado embaixo do
nariz ou da boca da pessoa interpreta esses “sopros” como Código Morse,
que identifica letras e números ao combinar unidades curtas ou longos de
ar. Esses sinais são enviados para um sintetizador, que reproduz o
código em palavras, por meio de até nove vozes diferentes, com sotaques e
vozes de faixas etárias distintas. Tudo que o paciente precisa, então, é
memorizar o código, para que possa se comunicar cada vez mais rápido.
As “vozes”, segundo ele, foram obtidas em uma biblioteca Open Source
de sons, que foram vocalizados e colocados no equipamento. “Foi muito
desafiador aprender todas técnicas que culminaram no Talk – desenvolvi o
software em três linguagens de programação diferentes. Foi uma das
melhores experiências de aprendizado da minha vida”, exaltou.
Todo o processo de criação do aparelho, vencedor da categoria
“escolha do público” do Google Science Fair –que agraciou Arsh com uma
bolsa de estudos de US$ 10 mil–, ocorreu durante o ano letivo, o que
exigiu muita disciplina para que o rapaz não escorregasse nos estudos, e
obtivesse boas notas.
Ao prestar o CBSE, o exame nacional da Índia, o jovem ainda conseguiu
nota máxima, obtendo 10/10 GCPA (Média Cumulativa de Pontuação, em
tradução livre). “Você precisa ser muito disciplinado, seguir o esquema
que você estabeleceu. Se pular alguma coisa, tudo cairá em cima de
você”, frisou o estudante, que pretende em breve se inscrever para uma
bolsa no curso de ciência da computação na Universidade Stanford, na
Califórnia.
Simplicidade
Com o pedido de patente pendente para o Talk, Arsh Dilbagi espera
firmar parcerias para tornar o aparelho um dispositivo global, e ajudar a
superar as barreiras existentes atualmente em relação a dispositivos de
CAA, principalmente envolvendo o acesso e ao preço desse tipo de
equipamento.
“Máquinas como as utilizadas por Stephen Hawking são caras e
complexas, e precisam de muitas baterias para funcionar. Você precisa de
um computador, de uma tela, de um sistema complexo e, combinando tudo
isso, baterias para suportar isso. E isso se reflete no custo. É preciso
mudar a forma como a tecnologia é vista, de como as pessoas enxergam
uma solução”, explicou, sublinhando que o Talk consegue funcionar por
oito horas em uma única carga.
“Os dispositivos desse tipo hoje começam na faixa de US$ 4 mil (cerca
de R$ 9,6 mil), e um aparelho que é fácil de usar sai por pelo menos
US$ 7 mil (cerca de R$ 16,8 mil)”, continuou Arsh, completando que,
mesmo com o aporte financeiro, às vezes não é possível adquirir
facilmente itens como detectores de movimento dos olhos ou aparelhos de
digitação adaptados. “Não é o caso de que, se você tem US$ 7 mil no
bolso, você pode comprar um. Eles não estão disponíveis em sites como
Amazon, e não dá para pedir online para que ele seja entregue em
qualquer lugar do mundo. O equipamento está disponível em lugares muito
específicos, e mantê-lo é muito mais difícil do que se pode imaginar”,
apontou o indiano.
Apesar de ser considerado internacional, o Código Morse não pode ser
utilizado com exatidão para que pacientes se expressem em todas as
línguas, o que, de acordo com o Dilbagi, é uma das falhas do projeto,
disponível apenas em inglês. No entanto, o objetivo principal é tornar o
Talk universal, em 20 idiomas diferentes, conforme a previsão de seu
criador.
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‘Talk’ custa menos de US$ 100 e pode democratizar o acesso de pacientes a dispositivos de CAA (Foto: Divulgação/Arsh Dilbagi) |
‘É possível mudar o mundo’
Citando novamente o exemplo do físico inglês, autor de diversos
livros apesar de suas limitações físicas, Arsh explicou que já foi
procurado por muitas pessoas que precisam de um aparelho similar, mas
não têm as mesmas oportunidades que pacientes mais abastados.
“Stephen Hawking tem sido patrocinado para ter uma ferramenta para se
comunicar, e veja como ele está mudando o mundo. E ele é só um entre
milhões de pessoas que sofrem das mesmas desordens. Logo, acredito que
Talk tem esse tipo de poder”, disse o rapaz, que ao apresentar seu
projeto ao Google, colocou como desejo principal a vontade de mudar o
mundo por meio da comunicação alternativa.
“É possível mudar o mundo. A maioria das pessoas procura por serviços
comunitários, caridade. Se você quer ajudar a humanidade, você precisa
ajudar a sociedade como um todo, auxiliando pessoas a se comunicarem, o
que não tem sido feito até agora”, arrematou o jovem indiano, sem perder
o fôlego.
Franz diz: dessa vez ficarei quieto. O texto e a iniciativa falam por si.
Franz diz: dessa vez ficarei quieto. O texto e a iniciativa falam por si.
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