Foto de Dominic Rouse |
Problemas na clareza da proposta curatorial não tiram a importância da mostra 'Limiares', que torna pública, através de sua exposição, uma coleção privada
RIO - O Museu de Arte Moderna do Rio apresenta “Limiares — A Coleção
Joaquim Paiva no MAM”, que traz um recorte do grande conjunto de
fotografias pertencentes ao diplomata e fotógrafo Joaquim Paiva. A
coleção, uma das maiores em sua categoria no país, tem cerca de 2 mil
obras de brasileiros e estrangeiros abrigadas no museu em regime de
comodato desde 2005, e teve uma parte exposta na instituição pela última
vez em 2011. Frequentemente recortes da coleção também viajam para
museus de outras capitais brasileiras e outros países, estando portanto à
disposição de públicos diversos em muitas ocasiões.
“Limiares” tem curadoria da equipe do museu e exibe 40 fotografias,
além de 19 obras em diferentes suportes que pertencem ao MAM e à Coleção
Gilberto Chateaubriand (também em comodato na instituição), para formar
um conjunto que aponta distintas representações, na arte, do público e
do privado. Um dos pontos de partida para o projeto curatorial parece
ter sido a própria compreensão da importância da dimensão pública do
gesto de colecionar, um ato privado e individual. Desse modo, a seleção
de obras mescla as três coleções e sugere muitas possibilidades de se
habitar física ou poeticamente espaços íntimos ou coletivos.
Experimentação
A exposição forma um grupo interessante de trabalhos, mas não
apresenta de fato muitas surpresas, podendo ser entendida como um
laboratório de experimentação da curadoria. No início do trajeto
expositivo a primeira obra que surge é uma assemblage de sacolas de
instituições internacionais da série “Nomes”, de Jac Leirner (1989),
cujo propósito não fica claro. Outras obras também não parecem fazer
muito sentido no todo, como o cartão recortado sem título de Anna Maria
Maiolino (1976), o qual pode ser associado com questões espaciais se o
espectador fizer um certo esforço já que, em princípio, ele aparenta ser
apenas um objeto fora do lugar.
Por outro lado, há peças que de fato enriquecem o conjunto, onde uma
relação triangular entre indivíduos, espaço privado e público fica
evidente. É assim com os “Cadernolivros” de Artur Barrio (1973). Em um
deles veem-se dois recortes de jornal que trazem a foto de um índio e a
notícia: “Antropólogo condena queima dos maconhais indígenas”. O artigo
de época relata o caso da destruição de plantações de cannabis em uma
reserva maranhense e levanta a discussão de como o uso milenar da erva,
normal na cultura dos índios, era corrompida pelo tráfico e mal
interpretada pela moral civilizatória branca. Outras obras muito bem
colocadas nas galerias são “Duas casas”, maquete em vidro de Nuno Ramos
(1996) e o interessante vídeo “Os Raimundos, os Severinos e os
Franciscos”, de Mauricio Dias e Walter Riedweg (1998). Entre as
fotografias da coleção, um dos destaques são as recentes séries de
Vladyslav Krasnoshchok e Sergiy Lebedynskyy, da Ucrânia, que documentam
os conflitos ocorridos na região desde novembro de 2013. Outros
trabalhos significativos são alguns registros fotográficos de Diane
Arbus (1923-1971), importante fotógrafa norte-americana cuja obra fez
Paiva iniciar sua coleção em 1978.
Embora haja alguns problemas na clareza da proposta curatorial, o
mérito desta mostra é apresentar publicamente uma coleção privada e
compartilhá-la com o mundo. Este procedimento, que se repete
seguidamente no MAM com a coleção de Gilberto Chateaubriand, é um
recurso que mantém ativa a programação do museu e possibilita brindar o
público com pérolas de acervos privados.
Nunca é demais lembrar que no Brasil as instituições não têm as
melhores nem as maiores coleções de arte, e que estas em geral pertencem
a algumas famílias. Obras de arte são patrimônio cultural e é
importante estimular não apenas o seu colecionismo, mas também a sua
exibição. Chegará o momento em que a iniciativa privada e o Estado
compreenderão a importância educacional de manter e constituir acervos
nas instituições brasileiras, e a evasão de obras e coleções importantes
para o exterior se torne fato de um triste passado. Para quem não sabe,
a histórica tela “Abaporu”, de Tarsila do Amaral (1928), saiu do país
em 1995 para morar no Museu de Arte LatinoAmericana de Buenos Aires
(Malba). Por isso, coleções como a de Joaquim Paiva e Gilberto
Chateaubriand devem ser admiradas e cuidadas para que permaneçam por
aqui, formando um caldo histórico para novas gerações de olhares
sensíveis e mentes criativas.
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