Há pouco o mundo foi bombardeado com a notícia de que o clássico filme "E o Vento Levou" (Gone with the wind - 1939) teve sua exibição retirada do ar, isto é, censurada na mais explícita das palavras, por conta de seu conteúdo racista. Mas afinal, o que há de tão chocante que a História e até mesmo o cotidiano de muitas pessoas não tenha mostrado para que uma obra cinematográfica vencedora de 8 das 13 categorias às quais foi indicada ao Oscar seja excluída - temporariamente - da programação da HBO Max?
Mais do que isso, por que somente agora esse marco do cinema criou tanta polêmica. Cabe relembrar que de 1939 para cá, apesar das muitas evoluções no tocante à dignidade e ao respeito aos negros, a verdade é que persiste um traço de racismo que ainda atinge boa parte da população negra, sobretudo os que são menos favorecidos. Então, o que levou ativistas a protestarem neste exato momento sobre o conteúdo racista de um filme cuja narrativa engloba um dos períodos mais racistas da História, onde era comum discriminar, perseguir e até matar os negros apenas pelo desejo de assim fazê-lo.
E o Vento Levou retrata um período histórico complexo, cruel e segregador; não eram incomuns os maus tratos e a segregação sofridos pelos negros. Isso, claro, está retratado no longa-metragem. Isso mostra o apuro queMargaret Mitchell autora da obra, quis destacar para que seu leitor sentisse o quão ruim era a vida da maioria dos negros.
Para o espectador menos preocupado com o alarde, fica claro que o filme é um marco por ter a coragem de retratar algo que a humanidade procura a todo custo apagar da memória, tal como ocorreu com o Holocausto (guardadas as devidas proporções). Vejam, se há um esforço por parte de grupos em todo o mundo para preservar obras e documentários como a Lista de Schindler e Marcha da Vida, por que censurar ou impor avisos sobre o conteúdo de um filme cuja premissa é ressaltar um período onde o comportamento errado (o racismo) era o comum?
Como documento, E o Vento Levou serve para reconstituir um período histórico onde as práticas lamentáveis do racismo e da segregação eram corriqueiras. Serve, ainda, para relembrar que papéis de destaque para pessoas negras eram algo raro e que foi recompensado com o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante para a talentosa Hattie McDaniel, a primeira atriz negra a ser indicada e a receber um Oscar.
Não há dúvidas que o racismo é um problema que ainda existe e deve ser removido do comportamento humano, porém isso não acontecerá com a exclusão de trechos de obras que possuem o tema em sua composição ou através da censura ou até mesmo por meio do "fingimento" de que isso não aconteceu.
O combate a um mal é feito por meio da memória de que tal problema ocorreu, da conscientização dos males provocados e da busca incessante de uma nova mentalidade e da propagação do respeito a todas as pessoas, independentemente de sua cor, raça, religião ou sexo.
Apagar ou censurar não é solução. Alertar e conscientizar são ações que criarão uma geração mais forte e capaz de - um dia - extirpar o racismo e outras atitudes hediondas do comportamento humano.
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