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Almanaque de Terror nº 1, série Capitão Mistério Apresenta . Um clássico indiscutível…

Escrever sobre o medo não é algo tão simples quanto alguns pensam. Para confirmar isso, basta contemplar a infinidade de filmes e livros horríveis (sem trocadilhos) de terror que surgiram (e surgirão). Abordar o medo com maestria é coisa para poucos, não importa a mídia.
Mestres como Stephen King, Neil Gaiman, Alan Moore, Mary Shelley, Edgar Allan Poe, H.P. Lovecraft, Anne Rice… são muitos os mestres do passado e do presente da arte de impor o terror. Mas houve outros ainda mais antigos que não são muito conhecidos do público brasileiro. Nomes como Washington Irving, Francis Bret Harte, Leon Tolstoi, Leonidas Andreiev e R. F. Lucchetti (autor brasileiro que teve sua grafia errada, com um “t” a menos) foram a mim apresentados por intermédio de uma revista em quadrinhos da década de 1980, mais precisamente 1982, época em que estava com apenas 11 anos de idade.
A revista em questão é o Almanaque do Terror, obra publicada pela extinta Bloch Editores sob o selo “Capitão Mistério”. Ora, caso você tenha vivido os anos 80, certamente deve se lembrar dessas HQ onde o símbolo era um homem mascarado com uma nuvem ao fundo (ou névoa), uma lua e um morcego parcialmente encobrindo-a. Foram muitas as edições de terror sob esse selo, inclusive as consagradas “A tumba de Drácula”, “Motoqueiro Fantasma”, “Clássicos do Pavor”, “Aventuras Macabras”, “A Múmia Viva”, “Histórias Fantásticas”, “Cine Mistério”, Sexta-feira 13″, “Frankenstein”, “Lobisomem” e o próprio “Almanaque de Terror”.
E, podem questionar alguns, o que me levou a retomar essa HQ especificamente? Bem, primeiro esse é um gibi repleto de histórias memoráveis, tramas que fizeram parte das minhas infância e adolescência. Segundo, tive o prazer de ter novamente em mãos um desses exemplares que, confesso, me trouxe à mente infindáveis memórias. Só para que tenham uma ideia, ao ser informado de que um amigo teria o exemplar para venda, questionei-o imediatamente sobre a existência de uma história chamada “Os Proscritos de Poker Flat”. Com a resposta positiva, pude ter certeza absoluta de que se tratava da mesma revista da minha infância.
Feitas as devidas apresentações, vamos à análise da obra:
Iniciamos com o destaque aos autores presentes neste gibi (que poderia ser uma edição de luxo do Pipoca e Nanquim facilmente). Tolstoi, Andreiev, Washington Irving, Francis Harte e o nosso brazuca Lucchetti dão peso incomparável a essa edição. Além de contar com histórias magníficas, as ilustrações são de um capricho pouco visto (hoje e à época em que foi lançada), todas feitas por Manoel Edmundo Botelho Rodrigues, o Edmundo Rodrigues, uma lenda dos quadrinhos nacionais. As ilustrações sofrem com a colorização da época que, por motivos de economia e outros, fazia uso de cores chapadas e que pegavam boa parte das artes. Caso um dia tenhamos o prazer de ter essa edição reeditada, uma nova colorização é imprescindível (assim como aconteceu com A Piada Mortal).
As histórias dessa edição são versões de clássicos da literatura. Isso deve ter ficado bem claro só com a citação dos nomes dos autores que foram gênios da literatura, imortais e marcantes. Trazer tramas desses autores é algo pouco visto e que deve ser valorizado, não importa o gênero das histórias em si. Caso não lembrem, a editora Abril tentou trazer algo similar ao publicar – há longa data – a série Classics Illustrated.
Retornando às histórias, a primeira delas é Rip Van Winkle, conto que faz parte do livro “The Sketchbook of Geoffrey Crayon”, de autoria do escritor Washington Irving. O conto faz alusão ao protagonista Rip Van Winkle e sua pacata vida na vila onde mora. Apesar de ter uma mulher megera, Rip é um homem prestativo e bom, conhecido e amado por todos. Tudo está bem até o dia em que ele presta apoio a um velho que carregava uma barrica de vinho. A partir daí, a vida de Rip nunca mais será a mesma, pois ele presenciou fatos que nenhum ser vivo deveria ver.
Os Proscritos de Poker Flat é a segunda trama da revista. Nela, homens e mulheres são condenados a sair de uma cidade às vésperas de uma nevasca. Sem abrigo e esperança, resta a eles a solidariedade mútua para tentar sobreviver em meio à morte que se aproxima. Esta história é peculiar por mostrar que até mesmo pessoas que consideramos párias (prostitutas e bandidos) têm sua porção de humanidade. Em meio a sacrifícios e traições, eles têm que encarar o fatídico destino imposto pela lei e a ausência de compaixão humanas. O conto foi escrito por Francis Bret Harte que trouxe para a literatura dos EUA o Oeste Americano.
Ivan, o Imbecil é o terceiro conto. Escrito por Leon Tolstoi (considerado o maior escritor russo da história), essa trama mostra o embate entre o bem o mal representados, respectivamente, por um camponês tolo e demônios que tentam a todo custo fazê-lo pecar. Esta fábula é cheia de lições sobre a humildade, a resistência às tentações e valoriza sobremaneira o trabalho.
O Diabo e o Camponês figura como a quarta história na qual um homem de alma pura é tentado a todo custo por um demônio. Frente a todas as tentações possíveis, apenas a bebida oferece o real perigo para a quebra da virtude que ele tanto preza. Este é outro trabalho do escritor russo Leon Tolstoi.
O quinto conto dessa revista memorável chama-se A Conversão do Diabo. Escrito por Leonidas Andreiev (Leonid Nicolaevitch Andreiev), autor russo de destaque. A narrativa mostra as atribulações de um demônio que decide praticar o bem e se tornar um bom cristão. Diante da maldade humana, por mais irônico que isso possa ser, o demônio sofre para trazer sua alma para perto da salvação. Essa história foi recentemente adaptada para o cinema nacional por meio de stop motion. O longa-metragem se chama O Bem Aventurado (2018) e, tal qual o conto em que foi inspirado, mostra uma convincente origem para as gárgulas, além de uma trama sobre a fé muito interessante.
O fechamento dessa obra é a história A Única Testemunha, cuja premissa está em triângulo amoroso que envolve Sir Joseph Hardy, sua mulher e o amante dela. A mulher é maligna e influencia a todos. Na verdade, movida pela cobiça, ela planeja a morte do marido. O único problema nessa macabra fusão de interesses está na presença de um gato pertencente a Sir Joseph. Mais do que um companheiro, o gato se mostrará como um fiel amigo. Na verdade, um fiel e vingativo amigo. A trama foi desenvolvida por R. F. Lucchetti, um proeminente autor nacional à época.
Com essas seis tramas, o primeiro número do Almanaque do Terror mostrou, à época, uma qualidade incomum aos padrões de hoje. Pena que essa revista tenha caído no limbo do esquecimento, pois certamente as novas gerações apreciariam o terror apurado desse Almanaque. Que a Darkside, Pipoca e Nanquim, Abril ou a Panini tenham a iniciativa de relançar as três revistas (o Almanaque do Terror foi interrompido), publicadas há mais de 40 anos, com o carinho que merecem e em uma edição única e à altura das mesmas.

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