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Mussum: um filme do Cacildis. Documentário magnífico sobre a vida e obra do mais musical dos Trapalhões.

Mussum – um filme do Cacildis é um documentário elaborado com extremo zelo e uma edição de alta qualidade cuja finalidade primordial é exaltar a existência e os feitos do nosso querido Mussum. A direção (competente) é de Susanna Lira.
Mas o homem por trás do personagem Mussum vai muito além do humorista que se consagrou com o programa Os Trapalhões ao lado do Didi, Dedé e Zacarias. Há uma bela e interessante história que vai muito além do estereótipo, dos memes e até da cerveja em sua homenagem.
Antônio Carlos (sim, esse era seu nome) foi um jovem negro que viveu e sofreu com a pobreza de quem era filho de negra e morador da favela. Sua mãe era uma empregada doméstica que, esporadicamente, levava o filho para conhecer um pouco da realidade dos mais abastados. Dona Malvina, a mãe dele, sabia ler e escrever – algo incomum à época – e era conhecida de José do Patrocínio. Com esforço, a educação de Mussum não ficou limitada à sabedoria das ruas e, felizmente, ele se tornou mecânico. O início do documentário da grande ênfase à importância de dona Malvina na educação e vida do filho, assim como toda mãe deve ser.
Por se tratar de uma época remota e também em função da pobreza em que a família de Antônio Carlos vivia, o documentário não dispõe de vídeos de sua infância, apenas fotos que mostram a precariedade do lugar onde cresceu. Com o estudo que teve, o filho pôde ensinar à mãe a arte de ler e escrever, segundo as palavras do próprio Mussum. Ele também foi militar por oito anos na profissão de datilógrafo, o que hoje chamamos de escrevente.
O documentário se aprofunda gradualmente na vida e obra de Mussum. O homem que morava em uma área paupérrima tinha receio de ir para o morro, mas acabou por se tornar um célebre “filho da Mangueira”. O samba era uma paixão indissociável do homem Antônio Carlos, assim como seu time do coração: o Flamengo.
Até este ponto do filme, que flui com uma facilidade incomum, a narração de Lázaro Ramos e a inclusão de fotos e filmagens de épocas remotas, incluindo as participações do comediante em programas e outras produções dão asas à imaginação do espectador que, indubitavelmente, quer se aprofundar na vida e obra dele.
Desde o início são exibidos trechos do programa “MPB Especial com Os Originais do Samba”, gravado em 1972. Essas cenas dão uma clara ideia do quanto a música estava gravada na alma do sambista que sempre foi Antonio Carlos (em breve uma análise completa desse programa fabuloso).
Seguindo uma vertente biográfica, o documentário mostra pontos desconhecidos da maioria do público. Chamado na época de Carlinhos, Mussum viajou para outros países e mostrou seu talento musical. Ele viveu intensamente como artista, mas jamais deixou de ser um pai amoroso, tal como declara seu filho. E por falar em Originais do Samba, o programa de 1972 serve para mostrar que a trupe tinha talento não apenas para o gênero musical mais amado do Brasil; eles também oscilavam entre um blues e o jazz com extrema facilidade.
E não para por aí. Os Originais do Samba tinham tanto ritmo e inventividade que, ouso falar, foram os primeiros a dar vida à famosa “paradinha” de bateria. Eles misturavam samba com dança (em suas exibições) e eram muito bem treinados. A disciplina e a dedicação eram os pontos que diferenciavam os Originais dos demais sambistas.
Não à toa que eles fizeram parceria com Jair Rodrigues, Elis Regina e outros grandes da MPB.
Mas nem só de pão vive o homem. Aliás, Mussum era um degustador profissional do famoso “Mé”, a nossa cachaça. Ele foi um grande divulgador desse produto 100% nacional. Outro fato interessante da vida dele está em seus filhos que foram fruto de uma relação oficializada e de outra não tão oficial, mas coberta com a mesma dose de amor. E o que isso quer dizer? Bem, Mussum era um ser humano como qualquer um de nós, sujeito aos desejos e erros que todos cometemos. Logo, esqueça o mito e tenha o prazer de conhecer o ser humano Antonio Carlos.
E não faltava humanidade a Antônio. Ele foi pai, amigo, tutor e um homem rígido quando o assunto era educação. Pai de cinco filhos com cinco mulheres diferentes, isso não o impediu de estar presente na vida dos filhos. Mesmo a distância não foi barreira suficiente para que sua influência transformasse a vida dos filhos. Alguns depoimentos mostram uma emoção contida que só a saudade pode trazer.
Um outro ponto controverso da vida do Mussum estava em seu papel dentro dos Trapalhões. Ele era negro, oriundo da favela e do samba, mas era alvo de piadas de cunho racista o tempo inteiro. Algumas militâncias o criticavam por assumir esse papel, porém não compreendiam que era assim que ele combatia o racismo: ao fazer humor, o negro da Mangueira destacava o quanto os outros negros eram perseguidos, humilhados e menosprezados. Antônio Carlos era negro e tinha orgulho disso. Uma piada é mostrada no documentário onde um loiro, após ver o Mussum derrubar três homens com uma rasteira, pergunta “Você é faixa preta?”, ao passo que ele responde “Sou preto inteiris!”.
E chegamos a um ponto crucial na vida do humorista: continuar no humor ou se dedicar aos Originais do Samba. Essa decisão precisava ser tomada, já que a rotina entre as duas realidades estava minando as forças de Mussum. E nós sabemos que ele optou pela carreira junto aos Trapalhões. Aliás, uma carreira de sucesso indiscutível na TV e nos cinemas onde o grupo conquistou bilheterias gigantescas.
Os Trapalhões sofreram uma dura perda com a morte de Zacarias, o mineirinho que trazia um toque de inocência ao grupo, mas prosseguiram. Mussum enveredou pelo circo com Dedé Santana e estava no auge do sucesso quando recebeu a notícia de que precisaria de um transplante de coração. Infelizmente, o Carlinhos do Reco-Reco não sobreviveu.
O curioso dessa história é que eu vivi esse período. Lembro da dor da perda do Zacarias e também recordo da morte do grande Mussum, mas não me lembrava dos detalhes por trás dessas fatalidades. Só uma coisa não consigo esquecer… as lágrimas pela perda dos dois caras que, junto com Dedé e Didi, alegravam meus finais de semana.
O documentário se despede com honras ao cantor, músico, humorista e, simplesmente, ser humano que foi Antônio Carlos. Seu legado e sua vida permanecem naqueles que ele amou e naqueles que ele conquistou com sua arte. Não há dor nesse grande documentário, apenas uma saudade imensa de alguém que marcou incontáveis pessoas por seu jeito simples. Ele não foi perfeito (e nem tinha essa pretensão). Foi apenas um homem que viveu aquilo que a vida lhe ofereceu.
Fiquem agora com o programa MPB Especial com Os Originais do Samba, exibido em 1972 na TV Cultura.

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