Flordelis: basta uma palavra para mudar. Review de um filme tendencioso, cuja verdade foi revelada às custas do sangue.
Estamos em agosto de 2020, em pleno cenário de pandemia por causa do Coronavírus, mas isso não impede que as más notícias continuem chegando em caçambas de caminhão. Ano complicado, verdade, porém a esperança ainda nos faz buscar por um dia melhor. Na verdade, um dia após o outro, sempre com a esperança, mesmo isolado de quase tudo.
E eis que algo que muitos já esperavam finalmente ocorreu: descobriram a realidade por trás do assassinato do pastor Anderson do Carmo, casado com a deputada Flordelis, uma pastora evangélica e líder comunitária que chegou ao poder por causa de sua história ímpar, à primeira vista uma vida plena de realizações. Entretanto, as primeiras impressões podem enganar muito.
A hoje deputada tem um histórico no mínimo interessante, cujo ápice estava até recentemente em sua atitude de adotar mais de 30 menores que fugiram de uma chacina na Central do Brasil, Rio de Janeiro. Ela criou o próprio Ministério (ou seja, sua igreja) e adotou outras crianças, além de ser mãe biológica de outros quatro.
Em 2019, chegou ao auge de sua "luta" pela mulher e a moral ao ser empossada deputada federal pelo RJ. Sua índole era pouco questionada, seja por causa de sua vertente religiosa, seja por sua condição de mãe e defensora dos mais fracos.
Em suma, Flordelis dos Santos de Souza foi um exemplo de mãe, mulher, pessoa pública e, recentemente, política. Ela e seu marido, o já citado pastor Anderson do Carmo, eram o ponto focal de muitos outros casais, talvez por conta da harmonia e do amor que havia entre eles.
O problema, contudo, está nessa "perfeição" na vida de Flordelis. Ela morou na favela, conheceu o lado mais pobre da realidade carioca, lutou para constituir uma família, lutou pelos menos favorecidos e chegou à posição em que, finalmente, poderia ajudar aqueles mais necessitados. Era, em suma, um conto de fadas.
O único problema: nem todos os contos de fadas têm um final feliz.
O filme com aspecto de documentário.
Para terem uma noção da força dessa mulher dentro das mídias e nas comunidades onde atuava, ela chegou a ter um filme feito em sua homenagem, uma "biografia" na qual a própria se interpretava, um filme que contou com vários atores Globais de peso.
A trama de "Flordelis - Basta uma Palavra para Mudar" é bem simplória, porém eficiente sob o prisma de ser uma propaganda. Exatamente, esse longa-metragem - que imita um documentário e se vale da própria Flordelis para interpretá-lo - é uma propaganda elaborada para aumentar a influência da mulher e ampliar e divulgar sua imagem por todo o país. E, por um tempo, deu muito certo...
Hoje, diante da realidade assustadora dela e de alguns de seus filhos, percebo que o mal tem muitas faces, não tem pressa e sabe organizar sua ascensão como ninguém.
Mas é preciso fechar a análise do filme antes de prosseguir com minha indignação. O longa é uma descarada propaganda, um marketing feito para vender a imagem de uma Flordelis salvadora, a mulher que fez os traficantes retrocederem diante de Deus. Sendo assim, além do uso da filantropia, da caridade e do acolhimento às crianças necessitadas, a deputada tinha o poder de Deus ao seu lado. Isso está explícito nesse filme que se resume aos "depoimentos" de pessoas salvas por ela, sua fé inabalável e o resgate de um jovem sequestrado pelos traficantes de uma favela. Isto, aliás, é a história desse filme estranho: uma mulher que encara uma quadrilha de traficantes para salvar um jovem.
O que dizer desse filme? Eu não recomendo que assistam, já que ele é apenas um "merchand" da mulher que já estava infiltrada na alta sociedade carioca; Flordelis foi esperta ao mostrar o próprio rosto nesse filme, cercada por atores da rede Globo que estavam ali em prol de uma causa justa: divulgar os atos corajosos de uma mulher quase santa, o que não os exime de suas parcelas de culpa ao colaborarem com a criação da imagem de uma pessoa pública que se tornou deputada em função da popularidade e das mentiras semeadas ao longo de anos.
Com locações em uma aparente comunidade, atuações de pessoas com peso na interpretação, histórias de redenção e cura espiritual, além de um claro apelo religioso, fica impossível não classificar a obra como tendenciosa, calculada e mentirosa. Esclareço que mesmo em caso de haver verdade em algum desses relatos, o uso dos mesmos não foi para outro fim que não o de autopromoção.
E os resultados foram positivos, já que além de deputada federal pelo RJ, Flordelis fundou o Instituto Flordelis de Apoio ao Menor. Novamente, apesar da aparente causa em prol do próximo, daquele que está desprovido de esperança e recursos, não há como confiar nos atos de uma mulher que chegou a um ponto inimaginável há poucos meses...
Até tu, Brutus?
Anos se passaram desde a "propaganda" em homenagem à mulher caridosa, criada da forma mais meticulosa possível. O filme foi lançado em 2009 e mostrou o que o público queria ver.
Hoje, entretanto, com as investigações das polícias militar e civil, um verdadeiro "plot twist" se desenha na vida da deputada. A chorosa e triste viúva do pastor Anderson alterou seu papel de uma mulher vitimada pela violência no Rio de Janeiro para uma verdadeira viúva-negra, uma pessoa fria, cruel e que incluiu alguns dos próprios filhos no bárbaro assassinato de seu marido.
Outro ponto - no mínimo curioso - da relação de Anderson e Flordelis é o fato de que ele já foi filho adotivo dela. Sim, Anderson é um dos que foram recolhidos por ela. Ele recebeu cuidados e cresceu, tornando-se namorado de uma das filhas adotivas dela e, posteriormente, marido da própria "mãe". Estranho? Sim, mas não é algo tão impossível, exceto por esta mesma ex-namorada (e irmã adotiva) estar presente entre os responsáveis por seu assassinato.
Ainda que o filme seja um absurdo e descarado item de divulgação pessoal, desprovido de roteiro e com uma tendência maquiavélica (ao enganar o espectador), nada se compara à vida real. A ficção de Basta uma Palavra Para Mudar é claramente propagandista, porém o mais surpreendente está no mundo de verdade, onde a ganância, a sede de poder e a meticulosidade de assassinos seriais estão estampadas nas capas e telas dos principais jornais e sites do país e do mundo.
Ao fechar este review de um filme que sinceramente não tem nada de arte, documentário e verdade, concluo que o subtítulo foi realmente muito bem empregado. Afinal, basta uma palavra para mudar... e essa palavra é maldade.
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