Há algumas coisas que são difíceis de reproduzir no cinema. Wakanda é uma delas. Como dar credibilidade a uma nação com recursos tecnológicos extremos e, ao mesmo tempo, manter seu tom tribal? Além disso, o que seria preciso para inserir o Pantera Negra não só como super-herói, mas também como líder dessa nação? Esses foram os temores dos fãs de T´Challa, mesmo após sua participação brilhante em Capitão América: Guerra Civil.
Na verdade, os temores estavam centralizados na escolha do elenco e direção. Quem iria dar vida e conduzir uma trama que convencesse os antigos fãs (oriundos dos quadrinhos) e os novos, cujo conhecimento do personagem estaria limitado ao cinema? Cabe destacar que o filme teria que ser cativante para que a divulgação fosse suficiente para que ele obtivesse o sucesso de outras produções. Afinal, o Pantera estará em Vingadores: Guerra Infinita e, caso o filme fosse um fiasco, seu fracasso refletiria no próximo longa-metragem. A Marvel Studios não poderia correr esse risco.
As opções de direção poderiam levar aos sensacionais irmãos Russo (Anthony e Joe) que foram os responsáveis pelo mais impactante filme da Marvel, Capitão América: o Soldado Invernal. E eu creio que teríamos um filmaço… mas não sei se à altura desse que vi. Entretanto, em uma atitude corajosa, a Marvel optou por escalar o diretor Ryan Coogler, responsável pelo ótimo Creed: Nascido para Lutar e Fruitvale Station: A Última Parada, ambos com o ator Michael B. Jordan que também está no elenco de Pantera Negra.
Enfim, Ryan Coogler assumiu a responsabilidade por dirigir o filme que antecede o mais audacioso projeto da Marvel. Em suas mãos estava não só a difícil tarefa de dar vida e credibilidade a um herói que seria importantíssimo para dar maior representatividade aos negros, como também seria dele a missão de ter sucesso e abrir os caminhos para Guerra Infinita.
E ele conseguiu!
AS ORIGENS DE WAKANDA E T´CHALLA.
Wakanda é um reino africano fictício onde existe a civilização da qual faz parte T´Challa e seus súditos. Wakanda é um território privilegiado por ter em abundância um mineral raro, o vibranium. Por intermédio desse mineral, eles conseguiram desenvolver uma nação privilegiada em tecnologia e recursos, praticamente autossustentável. Essa prosperidade, contudo, é mantida em segredo para evitar que a ganância de pessoas como Ulysses Klaue (Andy Serkis) provoque uma guerra pelo mineral.
O isolamento auto-imposto tem seus preço. Wakanda é um país próspero cercado por outros que sofrem. Isso, obviamente, desagrada não apenas T´Challa como os outros líderes de tribos que compõem a nação comandada pelo Pantera Negra. Isso está muito bem evidenciado no filme.
Um outro ponto de destaque que está representado impecavelmente é a criação do reino e a influência do minério no desenvolvimento tecnológico e espiritual dos povos de Wakanda. O vibranium está presente no subsolo do país e nas plantas que dão poderes adicionais ao Pantera. Apesar de suas habilidades naturais é preciso receber a essência delas para que os poderes de um verdadeiro Pantera venham à tona. Eles são reforçados pela armadura, agora extremamente mais resistente que aquela vista em Guerra Civil.
Quanto à origem de T´Challa, ele é o legítimo sucessor do trono de Wakanda, filho de T´Chaka (morto em Guerra Civil) e detentor do manto do Pantera Negra. Os problemas dele apenas começaram, já que ser um rei não é algo tão simples quanto pode aparentar. Decisões e atitudes deverão ser tomadas para que seu reino e o resto do mundo possam conviver harmoniosamente. É preciso não hesitar para ser um rei e, como ele mesmo diz, “I never freeze!”.
ELENCO.
A escolha do elenco ficou maravilhosa. Cada atuação mostra que os atores estavam realmente preparados para encarnar seus personagens. Nomes de peso como Forest Whitaker (Zuri) e Angela Bassett (a rainha-mãe Ramonda) mostram o nível desse grupo, mas todos estão ótimos.
No elenco principal estão Forest Whitaker como Zuri, Daniel Kaluuya é W’Kabi, Michael B. Jordan é Erik Killmonger, Lupita Nyong’o é Nakia, Chadwick Boseman é o Pantera Negra/T’Challa, Angela Bassett é Ramonda, Danai Gurira é a General Okoye e Letitia Wright é a irmã de T´Challa, Shuri.
EFEITOS VISUAIS.
São incontáveis os efeitos especiais e visuais em Pantera Negra. Desde o sistema de comunicação que se vale de hologramas granulados (parecem de areia) até os locais de pouso das naves, tudo impressiona pela beleza e tecnologia. Aliás, algumas das naves da nação de Wakanda se parecem com insetos e pousam como eles.
A criação das armas e das localidades também são de uma qualidade absurda. Destaque para a cena de luta pelo trono da nação onde o Pantera e M´Baku se confrontam e também para a cena onde Shuri pilota virtualmente um automóvel.
O início do filme tem mais qualidade em matéria de computação gráfica e efeitos especiais. Durante algumas partes, contudo, é perceptível uma pequena queda de qualidade, mas nada que comprometa a compreensão ou diminua o impacto visual da obra.
Mas há muito mais a ser visto. E isso eu deixo para que curtam e descubram durante a sessão de cinema.
CARISMA.
Um bom filme nunca será construído sem ótimos atores. Isso ganha em qualidade quando o personagem é interpretado por quem possua carisma, se entregue ao papel. A escolha do elenco, como já dito, foi acertada. Entretanto, as atuações de alguns deles se destacam pelo carisma ou pela força na interpretação.
Fiquei impressionado com as atuações de Letitia Wright que deu humor e nos fez acreditar em Shuri, uma mulher tão inteligente quanto Tony Stark e dona de um jeito moleque que a tornou indispensável à trama. Erik Killmonger, o vilão interpretado por Michael B. Jordan, poderia ser mais um da lista de antagonistas que esquecemos fácil, porém ele se transformou ao longo do filme em um verdadeiro “monstro de Frankenstein”, cuja raiva e motivações acabam por ligá-lo aos espectadores. Ele foi tão consistente quanto o Abutre interpretado por Michael Keaton em Homem-Aranha: De volta ao Lar.
Okoye (Danai Gurira), a general das Dora Milaje, é mais uma personagem que tem tanta força e presença quanto o próprio Pantera Negra. Ela exigiu muito da atriz e isso foi transformado em uma excepcional mulher e guerreira na tela.
Não precisaria dizer isso, mas o restante dos integrantes do elenco também são excelentes. Todos são peças de um filme cujo sucesso não foi determinado apenas pelos efeitos especiais. Eles deram vida a Wakanda e seu povo.
Observação: o agente Everett Ross ganhou destaque a partir do meio do filme. Sua pertinência se deve muito ao ator Martin Freeman, o nosso velho amigo Bilbo Baggins.
HÁ LIGAÇÃO DIRETA COM GUERRA INFINITA?
Não! E essa foi a grande jogada do filme. Isto por que não há necessidade de tirar a atenção de um filme que abre as portas de Wakanda e seus personagens para focar em um longa-metragem que terá duas partes. Ou seja: Guerra Infinita já tem seu espaço garantido. A Marvel acertou ao não perder a atenção naquilo que os fãs do Pantera Negra queriam ver.
REPRESENTATIVIDADE.
Vamos aos fatos. Há vários filmes onde o protagonista é um negro. Entretanto, filmes com um elenco quase 100% negro onde não abordem a escravidão, guetos ou gangues é algo raro. Mais do que isso, uma produção majoritariamente negra, representada por atores de altíssimo nível e com uma história elaborada com afinco e respeito às origens e tradições dos povos africanos (ou algo muito próximo disso) não é comum.
Pantera Negra une heroísmo, tradição, lealdade e histórias que se colidem de uma forma crível, capaz de prender o espectador à sua poltrona. Não nos importamos, com o decorrer da história, com a cor da pele das pessoas. Lá, na tela, estão atores e atrizes que se esforçaram ao máximo para brindar quem irá vê-los com atuações dignas dos milhões de fãs pelo mundo da mitologia por trás de T´Challa e o povo de Wakanda. Eles foram muitíssimo bem representados, basta reparar no esforço para falar com sotaque e no idioma xhosa, um dos idiomas oficiais da África do Sul.
CENAS PÓS-CRÉDITOS.
Elas são uma atração já costumeira nos filmes da Marvel. Entretanto, a primeira cena é um achado, já que evidencia o caráter extremamente correto do Pantera, além de ser um soco na cara de Donald Trump, o presidente que nutre um temor por estrangeiros que beira a fobia. A segunda cena dá destaque para uma aproximação entre Bucky e Shuri.
São cenas pós-créditos válidas e interessantes.
TRILHA SONORA E FIGURINOS.
Esses são pontos altos de Pantera Negra. A trama é conduzida quase sempre por uma trilha sonora diferente, tribal, fruto do trabalho de Kendrick Lamar. Há instantes em que o público fica em silêncio, enquanto tambores conduzem o ritmo narrativo. É possível antecipar um momento de maior intensidade só pelo nível das músicas, pela cadência imposta por sons que parecem realmente africanos, por vezes primitivos, mas sempre cativantes.
Os figurinos são impressionantes. Já elogiei o uniforme do Pantera, porém o que chama realmente a atenção são as indumentárias dos povos de Wakanda. Cada tribo tem seu próprio “estilo”, uns mais sombrios que outros, só que todos literalmente remetem ao continente africano. Mesmo as roupas mais modernas têm um toque tribal. Parabéns à designer Ruth Carter.
LIÇÕES.
É preciso estar preparado para um filme leve em muitos momentos e sério em outros tantos. O diretor (e também roteirista) trouxe um longa-metragem que quebra os estigmas de populações pobres e marginalizadas. Um filme sobre africanos não precisa ser ambientado no período das grandes expedições escravagistas para contar uma história desse povo.
O valor da lealdade está entre os destaques na obra. Entretanto, é em uma cena próximo ao final, composta por Killmonger e o Pantera que nos deparamos com o poder de nossas escolhas e os resultados dos atos tomados. Isso é reflexo direto das cenas iniciais do filme, onde uma decisão aparentemente correta acaba por refletir na vida de muitas pessoas.
O discurso de T´Challa na ONU na cena pós-crédito é um momento inesquecível, conforme já citei.
MOTIVAÇÕES.
Criar uma história não é apenas replicar o que vem à mente ou copiar algo que já existe. É preciso ter personagens consistentes, capazes de criar um laço entre eles e o público. Muitos personagens têm motivações convincentes e marcantes, tais como M´Baku, T´Challa, Killmonger, Ulysses Klaue, Ramonda, Zuri, entre outros. Eles alicerçam a trama e nos motivam a permanecer estáticos, aguardando o que está por vir.
O ator que faz T´Chaka no início do filme é o filho do ator que interpreta o mesmo personagem mais velho. Atandwa Kani é filho de John Kani, o T´Chaka que foi assassinado em Capitão América: Guerra Civil.
O sucesso do filme foi arrebatador na África, onde a maioria se viu representada com dignidade e orgulho; e, claro, Ryan Coogler é o diretor da sequência.
Este post foi publicado originalmente no site NoSet (onde trabalhei por três anos) e está agora aqui no Apogeu como forma de homenagem justa e merecida ao ator Chadwick Boseman, cuja luta contra o câncer foi um exemplo de garra, dedicação e persistência.
Descanse em paz...
Descanse em paz...
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