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A evolução da involução. Como estão nos corrompendo gradualmente.

Apesar de este ser um site destinado às análises de filmes, livros e quadrinhos, não pude deixar de escrever sobre esse sombrio fenômeno que afeta e corrompe gradualmente nossa cultura. Por corromper compreende-se a decomposição da fala, escrita e das mídias que, aliadas à família, escola e religiões, são as bases da formação e transformação do caráter da esmagadora maioria dos habitantes de nosso país e do mundo. 

Como forma de dar credibilidade ao título deste post, iniciarei com a comparação entre as formas familiares antigas de educação e a forma como tentam educar atualmente.

Observando mais atentamente a História, podemos contemplar uma fase onde o conhecimento não era acessível a todos. Houve períodos em que apenas os nobres tinham uma educação formal. Em outras, as classes mais abastadas recebiam educação, porém era no clero que estavam presentes os ensinamentos mais amplos. Também houve um longo período da humanidade onde as lições eram passadas de forma oral, algo impensável nos dias atuais, porém com relativa eficiência como a própria História pode comprovar. Enfim, sempre houve a figura do educador (seja ele um filósofo, um contador de histórias, um padre, um professor, os pais...) como o responsável por transmitir conhecimento e, com isso, evitar que o mesmo se perdesse ao longo das eras. 

A partir de um determinado período os ensinamentos foram armazenados em livros, mesmo que a esmagadora maioria da população não pudesse acessá-los pela óbvia ausência de habilidade para a leitura e interpretação. Isso, aliás, é importantíssimo para o restante do texto: ler não é sinônimo de compreensão do que foi lido

Os séculos avançaram, a cultura foi reestruturada e chegamos ao século das mudanças, o século XX. Com o auxílio da tecnologia, informações e conhecimento passaram a ser veiculados de forma ágil. Em alguns casos, o teatro foi usado como forma de propagar uma ideia, o rádio se transformou em ferramenta de ensino, seguiu-se o cinema, depois a TV, os agora mais acessíveis livros, os jornais e outras mídias. 

Lentamente o acesso à informação e à educação foi mudado para algo mais democrático. E no começo, foi bom...


Entretanto, tal como no versículo bíblico, nada de bom é eterno. Deste modo, chegamos à época onde a educação, antes responsabilidade dos pais, da escola e da religião (os famosíssimos Três Pilares), passou a ser delegada aos veículos alternativos tais como: a TV, os jogos eletrônicos, o cinema, os aplicativos e o computador. Vale ressaltar que nenhum desses é maléfico por si só. Para que eles possam enfraquecer ou destruir a educação (esta, reforço, obrigação dos pais, do Estado e da fé), os veículos listados precisam ter um conteúdo tendencioso, sutil, falso e capaz de influenciar. De todos estes, o pior era a TV, veículo que se transformou em um sucesso indiscutível e estava acessível a praticamente todos os lares (hoje, certamente, todos os lares). 

A televisão - aquela na qual a programação é decente - tem grande potencial para educar. Mas a verdade é que o entretenimento (que passou a representar a liberdade para se divertir e manter-se distantes dos problemas do cotidiano) era o foco, isso sem citar a sede por lucro das empresas que elaboravam os programas televisivos. Ter famílias inteiras postas frente ao monitor, ouvindo de forma quase automatizada, propensas ao acatamento do que está sendo mostrado e dito é, sumariamente, uma ferramenta de domínio das mais eficientes e sutis. 

Neste momento, alguns leitores devem estar pensando: "A TV é um veículo em franca decadência. Temos os streamings, as redes sociais, os sites... o que me interessa a influência da TV?". Ok, caro leitor, seu questionamento é válido e será respondido no parágrafo abaixo.

A televisão foi um dos veículos de mídia mais duradouros e que ainda está presente. Muitos são os que assistem filmes dos canais de streaming pela TV. Muitos assistem ao YouTube pela televisão. Porém o fato está no costume, no hábito que foi inserido em gerações ao longo das décadas. Desde o surgimento da TV até os dias atuais, bilhões de pessoas foram bombardeadas pelos filmes, propagandas, notícias, séries e novelas, além dos recentes e populares "reality shows". Programas de auditório foram responsáveis por paralisar famílias em suas casas nos finais de semana. Houve, sem dúvida, um período onde a televisão foi o que hoje são as redes sociais: um vício. Mais do que isso, a TV preparou o terreno para as telas menores, aquelas que não desgrudam de nós sequer nos momentos de descanso.

O vício de assistir à TV pode parecer algo inocente. O problema está no descarte de outras formas de cultura e entretenimento. Décadas se passaram desde o surgimento da televisão. Nestas décadas, é fácil determinar que houve fases onde as leituras (de livros, quadrinhos, revistas, etc) caiu bruscamente; houve fases nas quais as famílias estavam unidas presencialmente, porém separadas pela hipnose dos programas e outras coisas embutidas na grade da emissora. Não é de hoje que a mídia audiovisual exerce seu poder sobre o comportamento e a índole das pessoas. 

Vou esperar esse "textão" virar filme para eu ver...

Por ser mais acessível que o cinema (e pela queda da audiência das rádios), o mais novo vício da população mundial foi preponderante para estabelecer um padrão que hoje culminou no vício pelos app e redes sociais. É inquestionável que as pessoas nos tempos atuais preferem os vídeos ao texto. É perceptível que a qualidade dos programas não corresponde em qualidade ao crescente número de novos surgidos dia após dia. Mais do que isso, o tempo de exposição às telas criou uma geração que prefere estar com um smartphone na mão do que dialogar com os próprios familiares. Aliás, a maioria dos responsáveis por uma família confere - direta e indiretamente - a responsabilidade pela educação dos próprios filhos à web ou aplicativos. Um erro que já está cobrando um alto preço...

E por falar em preço, vamos à língua portuguesa e a gradual destruição da mesma por meio das mídias.

Vocês se recordam de um dos mais famosos bordões usado pela personagem Seu Boneco, da Escolinha do Professor Raimundo? Esse bordão, aliás, permanece na nova versão da atração de TV. A frase em pauta era "essa eu respondo "des costas"". 

Inicialmente não há nada de mais nisso. Estamos, afinal, falando sobre um programa de humor, inofensivo e voltado ao puro entretenimento, certo? Errado.

Mesmo com o teor humorístico, é óbvio que há pautas ideológicas embutidas na atração, sobretudo na versão atual. Mas o ponto em questão diz respeito à influência da "inocente brincadeira" no inconsciente coletivo. Sendo bem sumário, a frase acima moldou o modo de falar de incontáveis brasileiros. A expressão "de costas" foi moldada pela atração televisiva e passou a ser usada por jovens, adultos e idosos (de todos os níveis de escolaridade) como "des costas" (leia-se dis costas). 

Há outros bordões que foram embutidos de forma perene no linguajar das pessoas. "Felomenal", "Sou uma mulher de catiguria", "Tô paganu", "Eu agarantio", "Minha boca é um tumbalo", etc. Todos, indubitavelmente, são feitos para dar mais ênfase às personagens (e provavelmente inspirados em pessoas reais), porém a influência da TV (e da internet) levam muitos brasileiros a interiorizar estas falas como algo correto. Entre todos os citados, o mais prejudicial - no meu entendimento - é o famigerado bordão do Seu Boneco.

Pode-se acrescentar a isso os estragos promovidos pelos famosos "influencers". Há muitos que possuem conteúdos incríveis e pertinentes, porém também existem muitos que só buscam prender a atenção das pessoas com suas imbecilidades cada vez piores. Seguindo a onda de "Jack-ass" e outros similares, os criadores de conteúdo digital menosprezam a inteligência de sua plateia para impor cada vez mais um material de qualidade (no mínimo) duvidosa. Esses indivíduos têm maior alcance entre as crianças e adolescentes, o que torna seus trabalhos potencialmente perigosos no que diz respeito à desconstrução da educação dos jovens. Por sua vez, a juventude - ainda em formação psicológica e de caráter - está muito mais suscetível ao esdruxulo, seja pela busca pura e simples da diversão, seja por afrontar aqueles que representam para ela a oposição, geralmente pessoas - inclusive da família - mais conservadoras (os chamados cringe, outrora os "caretas").

Até os mais simples programas, livros e outras mídias se mostram perigosas quando não compreendidas em sua totalidade. Os Simpsons, O Mundo de Gumball e Family Guy são um claro exemplo da imposição de um estereótipo negativo no seio familiar: o pai idiota. Homer Simpson, Ricardo Watterson e Peter Griffin são a personificação do pai relapso, imbecil, tolo e, por vezes, mal intencionado. Essencialmente é um pai bom - no quesito "carinho" -, mas não é um modelo de virtudes, um exemplo para os próprios filhos... e para as crianças e adolescentes que veem isso. Estas tendem a interiorizar que os pais são menos competentes que as mães, algo muito diferente de séries antigas (ou nem tanto) onde o pai até poderia ter uma ou outra atitude errada, porém jamais era visto como inútil quase descartável para a família. Como exemplos claros temos A Feiticeira e A Grande Família.

Um outro problema sobre a degradação da inteligência está na afirmativa de que os brasileiros leem mais. Isso, dentro do meu entendimento, é uma verdade. Mas o que dizer da qualidade do que é lido? O que dizer da compreensão daquilo que é lido? Não é surpresa alguma que o nível de leitura, isto é, a compreensão do texto, o conteúdo deste e a interpretação por parte dos leitores está cada vez mais deteriorada. 

Pessoas de todas as idades leem livros com maior frequência do que há algumas décadas. Há ainda a leitura de textos em sites, plataformas e até mesmo nas redes sociais. O que poucos deixam explícito é que a qualidade do material lido está bem abaixo do razoável. Compreendamos que estamos vivendo uma era onde qualquer um pode publicar o que quiser, fruto das mídias digitais e da internet. Compreendamos ainda que essa "abertura" é benéfica por um lado, porém extremamente perigosa por outra, visto que não há um "controle de qualidade" sobre essas publicações. Então, resumidamente, o nível de leitura pode ter aumentado exponencialmente, o que não significa que o grau qualitativo tenha acompanhado o ritmo de produção. 

O estranho acerca do ponto anterior é que há um aumento da leitura em nosso país. O que não há é uma melhora nas habilidades de leitura, interpretação e escrita por parte de uma grande parcela desse público leitor. Isto está bem visível quando nos deparamos com redações em concursos, com os textos publicados em redes sociais e até mesmo no próprio linguajar formal que hoje é um verdadeiro desafio para pessoas de todas as idades. Ler, compreendam, é apenas o começo do real aprendizado obtido através da leitura interpretativa e crítica. 

E há um fenômeno que é fruto máximo do advento da internet (em especial os app, plataformas e outras mídias audiovisuais): o aprendizado apenas por meio dos vídeos. 

Não há qualquer malefício em se valer dos vídeos para ampliar o alcance do aprendizado e, em alguns casos, até mesmo acelerá-lo. O problema está em transformar essa ferramenta em uma substituta para o aprendizado tradicional que se vale de um mestre/professor, das obras escritas, das explicações em sala, e até das dúvidas oriundas de outros alunos. 

Ressalta-se que os vídeo cassetes, e outras formas de Home Video já estiveram em pleno uso há algumas décadas. 

Quando um aprendiz/aluno se abstém de ler as grandes obras ou de atentar para as lições presentes nestas, inevitavelmente terá um aprendizado de menor qualidade. Certamente há grandes produtores de conteúdo que dão uma maior dinâmica, esclarecem o que está nos livros, mas eles não podem ser a fonte única do saber. Ver um vídeo exige menos do espectador do que um livro de seu leitor. Ao ler, um indivíduo terá que parar para refletir e aprimorar a absorção do material. Aliás, a absorção aumentará muito quando o leitor se valer da escrita (manual) para expressar aquilo que compreendeu sobre o livro e as lições nele contidas. 

Antes de finalizar este texto, vou esclarecer um último ponto (porém restarão outros a abordar) sobre a decadência intelectual, cognitiva e até mesmo sobre o aprendizado de nossas crianças e jovens. Hoje as famílias delegam ao universo online a educação de seus filhos. Para provar isso, peço que atentem ao gigantesco número de pais que, motivados pelos mais diferentes fatores, optam por deixar seus filhos pregados às telas. E são muitas telas presentes em TV, smartwatch, smartphone, tablet, laptop e outras das mais variadas. Todas essas tecnologias compartimentam um universo infindável de conhecimento que, via de regra, é muito mal utilizado. 

E qual é o conhecimento adquirido quando nos deparamos com uma cultura na qual se prega que o tempo vago tem que ser destinado ao descanso? Na verdade, não apenas ao descanso, visto que a esmagadora maioria prefere estar inserida no universo dos "entretenimentos" ao invés de ampliar ou aprimorar os conhecimentos. Esta opção, ao longo dos anos, tende a se transformar em hábito e pode reduzir o intelecto dos futuros adultos, além de outros problemas que englobam até mesmo uma adolescência mais longa (hoje há adultos que se comportam como adolescentes mesmo já próximos dos 40 anos). 

Conclusão.

O texto pode ser longo (e não peço desculpas por isso), porém ele terá cumprido seu papel se fizer ao menos uma pessoa refletir. Os tempos de descaso com a educação familiar, escolar e religiosa são perigosos, pois entregam uma futura geração de homens e mulheres relapsos, cujo maior feito será o de ter maratonado uma série ou virar um jogo. Não se sintam ofendidos, o entretenimento é necessário e nos afasta das mazelas de um cotidiano árduo e estressante. Isso, claro, não quer dizer que devamos viver para a diversão e o entretenimento. O crescimento pessoal é gradual e precisa seguir uma ordem, assim teremos um futuro mais promissor e menos triste. 

Gostemos ou não, o fato é que minha geração tem culpa sobre os fatos atuais. Nós criamos uma juventude que está psicologicamente fragilizada; adultos com atitudes infantis e pais que delegam seus filhos às telas. Tudo isso terá resultados terríveis mais a frente e, infelizmente, poderá ser tarde demais. 

Quando cada indivíduo assumir suas próprias responsabilidades. Quando cada um de nós passar a compreender, analisar e criticar aquilo que é lido. Quando as palavras de um pai não se resumirem ao distanciamento dos próprios filhos e ao delegá-los aos app, então provavelmente teremos uma evolução ou ao menos a parada da involução que se mostra tão abrangente nos dias atuais.  

Não podemos permitir a destruição de toda uma gama de conhecimentos e aprendizados em prol da tranquilidade, do consumismo e da liberdade exagerada. Seja um bom educador. Seja um pai, uma mãe, um professor ou um religioso que não tem medo de corrigir. Afinal, como dito por Pitágoras, “educai as crianças e não será preciso punir os homens”.

Comentários

  1. Triste realidade. Parabéns pelo excelente texto. Concordo inteiramente e torço por mudanças.

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    1. Agradeço pelo feedback. Que as mudanças venham o mais rápido possível.

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  2. Muito triste. Estão a transformar humanos em criaturas castrati golem para servir seres extra-dimensionais. A batalha é espiritual e este mundo está condenado, mas é possível salvar a sua alma e a de seus entes queridos. Ainda há uma batalha por vir, o grande sol do norte está crescendo, como pode perceber, mas ao conhecer as sagradas escrituras, conhece-se o final.

    Excelente texto, bem escrito, encontrei casualmente no google. Abraços.

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    1. Agradeço pelo comentário e os elogios. Realmente estamos em uma grande batalha para manter o que é correto e corrigir o que está errado. Precisamos perseverar...

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