O que faz um documentário ser
necessário? A pessoa ou o fato retratado? A mente analisada? A história de
alguém que revolucionou uma parte do mundo ou da arte? Uma trajetória
diferenciada? Uma vida incomum? Um evento histórico único?
São muitos os motivos para que um
documentário seja pertinente e necessário, mas a verdade é que a vida de Robin
Williams, um dos mais versáteis atores de Hollywood, engloba boa parte do que
citei no parágrafo acima. Robin foi (e é) importante para o cinema mundial,
esteve em produções inesquecíveis, interpretou personagens que emocionaram em
todas as formas possíveis, tinha uma vida que muitos julgavam perfeita, era
genial em suas atuações (sobretudo aquelas “ao vivo”), revolucionou a comédia
(e o drama, basta conferir), foi referência para vários atores de sua geração e
para os que vieram após. Robin é um ícone do cinema, goste você dele ou não.
Entretanto, a vida por vezes
segue caminhos tortuosos...
No dia 11 de agosto de 2014 o
mundo foi atingido pela trágica notícia do suicídio de Robin. Como um dos mais
respeitados comediantes do mundo, homem influente e com uma das mentes mais
afiadas pôde tirar a própria vida? O que estava acontecendo com ele? Quem era
ele?
O intuito do documentário da HBO não é esmiuçar a morte deste inesquecível ator. Na verdade, Come Inside My Mind pretende – acima de tudo – prestar uma linda homenagem e tirar das sombras algumas partes da vida dele.
Você tem algum medo?
A pergunta acima é primordial
para a análise do documentário e do que foi Robin Williams. Claro que ele tinha
medos. Todos nós temos medos e, para ser sincero, eles são parte indissociável
de nosso processo de sobrevivência. Mas o ator tinha um em particular, tal como
ele mesmo revelou: “De me tornar enfadonho até virar uma rocha. De não ter mais
ânimo.”.
A mente de Robin era
diferenciada. Ele tinha uma agilidade para reinterpretar situações e incluir
nelas piadas, sarcasmos e uma dose altíssima de ironia. Essa mente foi a
responsável por transformar Adrian Cronauer no mais ágil locutor de rádio do
cinema, assim como deu vida (e alma) a tantas outras personagens. Genialidade
era uma marca nas atuações dele.
E essa mesma genialidade se
mostrou desde a mais tenra idade. Robin teve um pai pouco presente e uma mãe de
humor ágil, algo que ele herdou. Porém o que ele não tinha amigos, fato que foi
gradualmente sendo contornado, já que ele foi um aluno brilhante e atleta. Um
período de sua juventude se passou em uma escola igual à do filme Sociedade dos
Poetas Mortos.
O garoto amava seu pai e
descobriu que um humorista, Jonathan Winters, foi o responsável por fazê-lo
gargalhar pela primeira vez. Verdade seja dita, o pai de Robin era muito sério,
porém não era imune ao humor ágil e às improvisações de Winters. Esse
comediante inspirou o comediante futuro que Williams se tornaria.
Então, com todo esse talento para
o humor, podemos dizer que ele começou na comédia? De certa forma sim, quando
imitou publicamente um professor, mas seu talento não estava restrito a uma
redoma do estilo x ou y. Mais do que um comediante, Robin dizia que era um ator
cômico, um indivíduo cuja capacidade de adaptação, observação e humor ágil o
distanciava dos demais. Não se trata, neste caso, de soberba, uma vez que esse
distanciamento era visível. Um fato inegável. Ele estava anos à frente de seus
pares, muito disso talvez em função de seu raciocínio rápido e capacidade de
“imaginar” cenas e situações, além das personagens que vinham em ondas
incontroláveis.
A vida seguiu seu rumo e nosso
irrefreável comediante recebe aquela que seria a oportunidade de sua vida, a
chance dada por causa do pedido de um garoto de 8 anos. Eis que o vemos na
série que mudou a história das SitCom, Mork. Com total domínio de palco, falas
imprevisíveis e um humor ácido que remete ao stand up, Mork & Mindy marcou
época.
O sucesso foi estrondoso.
Honestamente, isso era algo previsível, tal era o talento dele. O que não
contavam era com aquilo que vinha rente à fama: a falta de regras e as drogas. As
drogas que vão gradualmente ganhando espaço na vida de quem as usa. As mesmas
drogas que mataram por overdose o comediante e amigo de Robin, Jim Belushi. O
impacto desta perda o vez buscar a sobriedade outra vez.
Novas responsabilidades vieram.
Com o fim de Mork & Mindy, ele e Valerie se mudaram e tiveram um filho. O
padrinho era ninguém menos que Christopher Reeve, amigo de longa data.
O tempo passa, uma nova mulher
surge, novos filhos e, finalmente, o sucesso no cinema. Com a mesma capacidade
interpretativa, a mesma rapidez de pensamento e improvisação, Robin se tornou
um astro de Hollywood. E isso o afastou dos palcos? Definitivamente, não!
Um de seus parceiros de
interpretação foi Steve Martin. Martin reconhecia o talento e a perspicácia de
seu amigo, assim como também percebia que a maior parte da energia de Robin
estava voltada às atuações. Nos demais momentos ele era um homem introspectivo,
contido.
Vícios.
Do jovem humilde que estudava
para ser ator até o ponto em que se tornou uma celebridade é fácil afirmar que
pouca coisa mudou na vida dele. Uma delas certamente foi o salto gigantesco na
remuneração. O segundo era a veneração, a admiração daqueles que o
acompanhavam. O palco era um vício, assim como, pouco a pouco, as drogas e o
álcool assumiram cada vez mais os papéis de protagonistas.
Outro “vício” comportamental dele
era a compulsão em fazer as pessoas rirem. Trazer momentos de alegria aos
outros servia, de certo modo, como um alívio para as próprias tensões
interiores. Robin divertia pessoas, mas interiorizava problemas e sensações que
minaram gradualmente suas forças, segundo relatos de pessoas próximas a ele.
Quando ele não obtinha sucesso em “agradar”, divertir, isso se refletia em um
comportamento muito triste, próximo à depressão.
O alcoolismo voltou. Isso o
prejudicou em algumas áreas, mas foi o seu coração que, literalmente, mais
sofreu. E eis que o bom e velho Robin recebe – em caráter de emergência – uma
nova válvula no coração.
Ele retomou as atividades semanas
após. Entrevistas, novos filmes e o humor aguçado de sempre estavam de volta. Um
novo amor... recomeços, enfim.
E as surpresas não pararam de
chegar. Um diagnóstico de Parkinson, um mergulho na tristeza que só quem está
doente, realmente fragilizado, pode sentir. Robin lutou, tentou manter a
jovialidade e a perspicácia de seus tempos mais prolíficos, porém havia mais
por trás de sua reclusão em si mesmo. Apesar de se mostrar bem humorado diante
de plateias e amigos, a verdade é que ele afundou em uma melancolia que, mais
adiante, se mostrou fatal. Como já dito, o dia 11 de agosto de 2014 marca nossa
despedida desse homem que foi um bom pai (ainda que ausente em alguns pontos),
um dos melhores atores cômicos do mundo, um grande amigo, um ser humano que
acertou e errou tal e qual nós mesmos. A fama veio e não foi capaz de mudar a
personalidade ímpar e incontrolável de um mestre do humorismo na TV, teatro e
cinema.
O documentário.
Cenas de época, áudios e filmagens
complementam os relatos de pessoas que fizeram parte da vida dele. David
Letterman, a ex-esposa Valerie Velardi, amigos de teatro, o meio-irmão, até
pessoas que eram próximas por conta de seu apreço por games e brinquedos. Come
Inside my Mind é um documentário cru, cuja essência não está em elevar Robin ao
patamar de santo, mas apenas mostrar que ele foi uma boa pessoa que,
infelizmente, foi vencida pelas doenças e os vícios. Ele errou, óbvio, o que
não apagará jamais sua bondade, caridade e talento.
Com o fim do documentário,
meditei sobre sua vida, perspectivas, erros e acertos. Ele foi um herói para
muitos, tal como foi um vilão para si mesmo. O que fica? Permanece em nossos
corações toda a alegria que ele trouxe e a dura lição sobre a fragilidade da
mente e do corpo diante das tentações e das amizades tóxicas.
Robin sempre será, para mim, um
exemplo: de bom homem e de um ser humano cujas fragilidades o levaram a ruína.
Seja como for, para o bem ou para o mal, ele nos ensinou muito...
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