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The Batman. Sombrio, dramático e muito além do "mais do mesmo".

Batman é um dos mais admirados heróis dos quadrinhos no mundo. Com mais de 80 anos de estrada, o Morcego já transitou por várias áreas. Foi um vigilante armado, detetive, pai, lutador, vítima, amigo, louco e muitas outras facetas capazes de existir apenas em um ser tão complexo quanto o ser humano.

Em suma, Batman é um herói cuja humanidade é sua fortaleza e ponto fraco. 

O cinema já nos entregou versões dele que variam desde um homem mais sereno em função da idade, uma outra onde ele é caricato, um guerreiro urbano e até mesmo a do integrante da Liga da Justiça, entre outras. 

Entretanto, poucas versões mostraram o verdadeiro potencial do Batman como um detetive. Lembrem-se que nas HQs ele é tido como o maior detetive do mundo, mais perspicaz que o mítico Sherlock Holmes. 

Mas é fato que a história não é apenas sobre o Batman. Tal como vimos em O Longo dia das Bruxas, todas as personagens têm espaço suficiente para mostrar sua pertinência e, claro, para que seus atores usem todas as ferramentas possíveis para que acreditemos no que está na tela.

The Batman une com maestria o melhor do suspense, thriller, ação, drama e policial. O longa-metragem entrega uma das melhores versões do Homem-Morcego da história do cinema. Para comprovar o que escrevi, peço que continuem na leitura e descubram – sem spoilers – o que os aguarda neste que já é um dos melhores filmes do ano. 

Tem ligação com Coringa? 

Apesar da ambientação sombria, suja e decadente (uma representação bem realista de Gotham) muito próxima ao que vimos em Coringa e, ainda, por conta do nome do Batman aparecer no início do filme com caracteres similares ao do logotipo da obra estrelada por Joaquin Phoenix, a verdade é que nada liga uma obra à outra. Aliás, mais adiante no longa-metragem essa hipótese é praticamente descartada por causa de uma aparição surpresa. 

Terra de ninguém. 

Essa é a Gotham mostrada em The Batman: uma cidade cuja violência intimida até os mais influentes cidadãos. Gangues circulam, vândalos depredam patrimônios públicos e, para piorar, um novo criminoso inicia uma caçada às mais importantes personalidades da cidade.

Para equilibrar essa equação, um vigilante impõe aos meliantes um medo com o qual eles não conseguem lidar, um temor bruto que faz com que mesmo a ausência do Morcego seja sentida como uma ameaça. 

Investigação. 

O longa é marcado pela caçada incessante ao assassino chamado Charada (Paul Dano). Tal como vimos em Seven, uma dupla está encarregada de caçar e neutralizar esse monstro. No lugar dos detetives Mills e Somerset nós temos a famosa dupla James Gordon e Batman.

O Charada está infinitamente distante das versões cartunescas e infantis que filmes e animações mostraram. Desta vez temos um vilão frio, calculista, metódico e imprevisível, um assassino que não faz questão de ser encontrado. Enquanto o Batman é a personificação do medo para os bandidos e contraventores, o Charada se torna o medo encarnado para a alta sociedade e os que usufruem da corrupção. 

A corrupção como o mal maior. 

Como diria o Coronel Nascimento em Tropa de Elite 2, o Sistema é corrupto. Do mesmo modo, Gotham City está entregue a uma das mais longas e destruidoras ondas de corrupção. Políticos, policiais, juízes e outros agentes que – teoricamente – deveriam zelar pelo Estado de Direito optaram por servir aos próprios prazeres e à ganância.

Claro que a violência urbana provoca males e desconforto entre os habitantes da cidade. Porém nada traz tantos males quanto a corrupção endêmica, aquela que seduz cada um dos homens e mulheres que deveriam lutar pelos menos favorecidos. Infelizmente, tal como em nosso mundo real, o enriquecimento rápido, a luxúria e a corrupção são responsáveis pela destruição de valores morais e tudo que está intrinsecamente ligado a eles. 

Trilha sonora. 

Esse é um ponto alto que realmente marcou. As músicas dão um tom ainda mais sombrio ao filme, criam a nítida sensação de perigo e marcam o espectador. Os efeitos sonoros também ampliam o impacto das cenas. O destaque fica para a primeira aparição do Batmóvel, simplesmente inesquecível (muito em parte devido ao som do motor). 

Adoradores do mal. 

Algumas cenas mostram que os crimes praticados pelo Charada receberam apoio de parte da população. Cartazes com o símbolo do criminoso (muito parecido com o do Zodíaco) surgem e comprovam a teoria de que o mal seduz.

Mais à frente essa adoração trará resultados nefastos à trama. 

Batcaverna e Alfred. 

Dois dos mais tradicionais elementos da mitologia do Batman estão presentes no filme. Alfred (Andy Serkis) é muito mais do que o mordomo (o que já vimos nas HQs) e possuiu talentos que são indispensáveis para a sobrevivência de Bruce. Verdadeiramente, Alfred é o pai que Bruce não teve, um amigo para todas – literalmente – as horas.

Já a Batcaverna é um dos mais surpreendentes elementos da trama. Ela lembra muito as várias versões dos quadrinhos e é repleta de morcegos. Só os detalhes mais caricatos foram removidos (como a moeda gigante do Duas-Caras e o T-Rex). 

Tecnologias. 

Tudo que é visto em The Batman está muito próximo da realidade. Lentes que gravam, um carro blindado, arpões, uma armadura, o uso do batsímbolo como faca, etc. Destaque para uma cena de voo onde um traje de Wingsuit é usado pelo Morcego.

Essa engenhosidade também está presente nos artefatos do Charada e da Mulher-Gato, guardadas as devidas proporções.

Transições de cenas. 

O recurso de transição de cenas é algo comum no cinema. Esse recurso também é usado de forma inteligente no longa, mas gostei demais quando fizeram uma das transições através do uso do som de uma ferramenta. Isso mostra o esforço da produção e direção para entregar ao público uma obra única. 

Em que tempo se passa The Batman? 

Esse é um questionamento válido e difícil de averiguar. Temos Sal Maroni já preso, Carmine Falcone à frente da máfia, o Charada e a Mulher-Gato em suas primeiras aparições e, de forma complementar, Jim Gordon ainda não é o Comissário. Por sua vez, o Batman está bem à frente daquele que vimos em Ano Um.

Honestamente não vejo como produtiva a tentativa de encaixar essa trama na cronologia dos quadrinhos, assim como não há uma aparente ligação com a trama de Coringa, conforme já afirmado. 

Batman/Bruce Wayne 

O bilionário Bruce Wayne já teve vários intérpretes ao longo das décadas, indo desde de Adam West até Ben Affleck. Entre os mais queridos destaca-se o Batman de Christian Bale. Mas eram grandes as expectativas acerca da versão interpretada por Robert Pattinson, muito devido ao fato de ele ter sido o vampiro romântico da série Crepúsculo, personagem que marcou – ao menos entre os fãs do Batman – o ator negativamente e gerou vários protestos.


Bem, assim como visto nas atuações da atriz Zoë Kravitz e do ator Jeffrey Wright (também apontados como incompatíveis com seus papéis), Pattinson se destacou positivamente em The Batman.

Com uma atuação concisa, competente e à altura da mitologia da personagem, o ator entregou aos fãs do Morcego uma das mais coerentes e marcantes versões para o cinema, sobretudo por destacar as falhas, fragilidades e a psique de Bruce Wayne e seu alter ego, o Batman. 

Oswald Cobblepot. 

Este é outro dos (muitos) pontos altos da obra. Interpretado por Collin Farrell, Oswald Cobblepot ou Oz, como é chamado, é o mais cínico e sarcástico dos vilões. Ele trabalha junto com a máfia e tem a confiança do chefão do crime.

Sua influência o torna um homem perigoso. Mas é seu discurso calmo que esconde do público um assassino frio e calculista, tão perigoso quanto o Charada.

Oz participa de uma das melhores cenas de perseguição automobilística que já vi. 

Charada.

Apesar de já ter escrito algo sobre o Charada, a justiça só será feita com a devida apresentação e explicação sobre a personagem.

Interpretado por Paul Dano, o Charada (ou Riddler na versão original) é um psicopata cuja sede de vingança se equipara à do Batman. Ele tem suas motivações (ou acha que tem) e é dono de uma intrincada rede de informações que o leva diretamente aos mais poderosos de Gotham.

No longa-metragem ele tem um estilo visual parecido com o assassino serial Zodíaco, mas suas atuações mesclam o modus operandi do Unabomber e outros terroristas. Em suma, ele é um perigo grandioso, sobretudo por não haver nada que o ligue a quem quer que seja. Um fantasma que ganha a simpatia popular gradualmente, uma vez que revela o lado podre dos grandes de Gotham.

Mulher-Gato. 

Interpretada pela bela Zoë Kravitz, Selina Kyle está intimamente ligada ao presente e passado de Bruce. Além de ladra e uma ótima lutadora, ela ganha gradualmente a confiança do Batman e vice-versa.

Como visto recentemente nos quadrinhos, Selina está muito próxima do Batman, mas os códigos pessoais deles se tornam um fator que gera o distanciamento, mesmo com uma visível atração entre eles.

Com a opção de torna-la mais uma aliada do que uma amante, os roteiristas Matt Reeves (que também é o diretor) e Peter Craig acertaram de forma profunda, já que para ser o Batman é preciso não ter pontos fracos, como um amor, por exemplo.  

Quanto à atuação, Zoë mostrou ser uma perfeita Catwoman, apesar das críticas em torno da cor da pele ser diferente da personagem original. Aliás, ela e Jeffrey Wright (o Tenente James Gordon) são duas grandes surpresas no elenco. 

O sangue derramado pela vingança jamais seca. 

A máxima acima é uma verdade indiscutível. A busca por vingança tende a destruir sentimentos que nos tornam humanos, moldando aqueles que estão tomados por ela gradualmente, transformando-os em pessoas insensíveis, atormentadas e frias.

Batman inicia o filme chamando a si mesmo de A Vingança, o que não surpreende o público oriundo dos quadrinhos. O que não contávamos era com a presença de outro em busca da vingança, porém sem os freios morais que o Homem-Morcego tem.

Concluímos, ao final do filme que, invariavelmente a vingança é uma ferramenta de perpetuação do mal, visto que não traz alento ao que a pratica e, mais ainda, pode levar uma vítima a se tornar um ser tão maligno quanto aquele que o destroçou antes.

Então, o filme é realmente bom? 

Poucos filmes de personagens oriundos das Histórias em Quadrinhos foram tão bem adaptados para o cinema. As dificuldades de condensar anos de HQs em apenas duas ou três horas de filme são gigantescas, sobretudo por causa do roteiro que precisa agradar os antigos fãs, agradar fãs de vários gêneros inseridos no longa-metragem e, claro, incentivar que novos admiradores surjam.

Matt Reeves surpreendeu positivamente ao entregar um filme denso, tenso, feito com uma fotografia impecável, paleta de cores marcante e, claro, uma história que traz a fusão de vários gêneros cinematográficos em uma produção corajosa, feita com o máximo da qualidade e – definitivamente – inesquecível.

The Batman é aquele filme que você vê, revê e se tornará um dos filmes que nunca mais sairão da mente do espectador.

Resumidamente: uma obra-prima. 

Referências (Spoilers à frente!!!!) 

Várias cenas levarão o espectador mais atento a perceber a ligação entre estas e algumas das mais icônicas tramas do Morcego.

Vocês verão uma referência à Gangue Mutante de O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller; uma situação que remete à trama de Terra de Ninguém; o uniforme tem muito do visto em Corte das Corujas; um garoto órfão é a ligação entre Bruce e a própria condição dele como órfão em função da violência em Gotham; Alfred é muito mais que o simples mordomo visto em algumas tramas; o encontro entre dois vilões mostra os dois rindo loucamente, assim como vimos o Batman e o Coringa no final da história A Piada Mortal; Selina está muito parecida com a mulher gato vista em O Longo dia das Bruxas; boa parte da trama é baseada nas histórias de Jeph Loeb e Tim Sale, principalmente as ligadas à série O Dia das Bruxas e seus seguimentos; o Charada é uma clara versão do Zodíaco, valendo-se inclusive de códigos bem semelhantes; o Pinguim é a réplica exata do mafioso retratado em uma das HQs de Alex Ross; alguns dos apetrechos usados pelo Charada lembram os artefatos criados por Jigsaw em Jogos Mortais; o Batman tem que fugir de uma turba de policiais, mais ou menos como vimos em Batman Ano Um; e há uma cena onde as costas de Bruce estão com várias cicatrizes, uma alusão a um dos mais conhecidos desenhos de Alex Ross.

Há mais, mas isso eu deixarei para que vocês possam se divertir. A busca vale muito a pena.

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